Um Milagre de Natal

A mulher o aguardava ansiosa e a cada ano parecia mais determinada:

_Doutor Arthur, espero que nesta noite eu encontre o verdadeiro Papai Noel e possa, enfim, agradecer pelo milagre.

_Dona Regina, faz cinco anos que a Senhora vem à procura desse Papai Noel. Já disse, o único Papai Noel nesse hospital sou eu, e sou bem genérico para fazer milagres. Daqui a pouco vou me vestir, colocar a barba e alegrar as crianças e os adultos que terão de passar aqui essa noite tão especial. Eu que tenho de lhe agradecer pelos donativos que a Senhora e tantos outros, que julgam terem encontrado esse Papai Noel milagroso, ajudam a arrecadar e que tanto amenizam o sofrimento dos nossos pacientes.

_O Senhor não entende... Ele existe mesmo. Só um anjo pode usar um anel feito com um pedacinho de estrela. Vamos, tire as luvas...

O jovem médico sorriu e meneando a cabeça negativamente retirou as luvas e disse exibindo os dedos longos:

_Satisfeita agora, Dona Regina. Espero que no ano que vem a Senhora esteja convencida de que tudo não passou de um lindo sonho...

A mulher saiu e bateu a porta com força. Já havia contado centenas de vezes que quando recebeu a divina visita estava condenada a morte.

***

As dores eram intensas quando ouviu a porta se abrir. Estava muito fraca e durante a fase terminal, foi um dos raros momentos em que estava lúcida. Ao abrir os olhos viu o homem vestido de Papai Noel colocar um pequeno embrulho em cima da mesinha de remédios. Já estava saindo quando ela resmungou com ironia:

_Só vou agradecer se for um milagre. Sou bem grandinha para acreditar nessas tolices...

_Tolices, que tolices?

_Essa palhaçada toda de Papai Noel. Dona Regina fez força para a voz sair daquele esqueleto cuspidor de sangue.

O homem de barba branca e roupa vermelha estava a sua frente, e com imensa tristeza nos olhos disse:

_Vim a mando de Deus. Se não acreditava, por que o implorou tanto em suas orações... Melhor eu partir e procurar alguém que acredite no Espirito de Natal.

_Espere, disse a mulher, recordando que em sua última oração pediu a Deus para ser curada. Seria um milagre? Pensou. Prove que você é mesmo um anjo de Deus.

_Não preciso provar. Acreditar ou não, e a chave que pode fazer a diferença.

_Não consigo. Você parece humano demais para me fazer acreditar...

_Daria muito trabalho mostrar minhas enormes asas enclausuradas nessa roupa tão apertada...

Antes de sair o homem puxou o lençol e lhe descobriu a mãozinha atrofiada. A mulher a levantou trêmula para cumprimenta-lo e disse:

_Me desculpe, não consigo lidar bem com a iminência da morte. Passei muito tempo trabalhando em uma maldita empresa e protelei as melhores coisas da vida. Eu queria ter tempo, só pra andar descalça na terra, me lambuzar com uma manga madura, tomar chuva, escorregar na lama, e de olhos fechados, comer uma goiaba branca, dessas que os passarinhos semeiam no pasto. Vai moço, fazer seu bonito trabalho, depois tire essa fantasia ridícula e vai pra casa descansar.

O homem tão humano chorou e quando retirou a luva para apertar-lhe a mão. A mulher gritou ao ver o anel, cuja pedra era um magnífico brilhante azul:

_Ai está a prova, é um pedacinho de estrela! Deus ouviu minhas orações. Perdão... Eu preciso de um milagre...

Ele sabia que a pobre criatura morreria em breve. Talvez quando pegasse no sono não mais acordasse. Seria bom se tivesse algum momento de extrema felicidade, então falou enquanto lhe colocava a mão na testa febril:

_Sua fé te curou. Mal acabou de falar e ela adormeceu.

Pela manhã o marido chegou. Dona Regina, em um de seus momentos de lucidez o havia feito prometer que a buscaria para que passasse o último Natal com a família. Levy a encontrou feliz dizendo que estava curada.

O oncologista, Doutor Sérgio Porto, disse a Levy, que a melhora indicava que o fim estava próximo: O corpo lutava para não perecer e produzia substâncias no afã de restaurar os órgãos que estavam morrendo, isso causava uma momentânea sensação de bem estar. Mas o conceituado médico estava errado e o final foi muito, muito, mais feliz...

***

Depois que a mulher bateu a porta, e falou um nome feio, o Doutor Arthur, em mais uma noite de Natal vestiu a ridícula fantasia, e enquanto colocava o anel que retirou da gaveta, sorriu em pensar: Quando se tem fé, qualquer pedacinho de vidro pode ser uma estrela e qualquer Papai Noel genérico pode fazer um verdadeiro milagre.

Feliz Natal pra todos.

Luiz Cláudio Santos
Enviado por Luiz Cláudio Santos em 24/12/2015
Código do texto: T5490009
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.