909-PRESO NO BAÚ - Acidente rodoviário

PRESO NO BAÚ

A rodovia se estendia por serras e morros, cheia de armadilhas para motoristas incautos. Sendo uma rodovia movimentada, seria natural que suas curvas fossem retificadas ou amenizadas pelos construtores; porém recebiam por quilometro asfaltado e não tinham interesse nenhum em abreviar o percurso.

Uma das curvas é tão perigosa e ali ocorreram tantos acidentes que foi chamada de “A curva da morte”. Os mais comuns são de caminhões que tombam, pois a curva é do tipo que “joga” o veículo para fora da estrada.

Fica perto da Vila dos Confins. A população já está habituada com os acidentes. Basta um caminhão tombar, na maioria das vezes despejando seu conteúdo na estrada, que aparecem os moradores da vila fim de apanhar o que puderem das mercadorias espalhadas pelo asfalto.

Os policiais jamais aparecem e quando falam desta questão, dizem que se trata de “saque” e que os saqueadores estão sujeitos às penas da lei... e quando chegam ao local — distante do posto policial apenas dez quilômetros — já não encontram uma viv’alma para prender.

Numa dessas ocasiões, um caminhão de carroceria do tipo baú tombou e as portas traseiras abriram-se, derramando uma grande quantidade de mercadorias variadas. O pessoal apareceu na hora, tal qual um bando de formiguinhas. Cada qual trazendo sacolas. Caixas ou embornais para apanhar o que pudessem da carga espalhada no asfalto.

Ainda havia mercadoria dentro do baú, de forma que um rapaz, mais afoito, entrou para apanhar outros pacotes e latas de alimentos.

O motorista nada sofrera a não ser uma leve tonteira, da qual se recuperou alguns minutos após o acidente. Ajudado por alguns dos “saqueadores”, saiu incólume da cabine. Ao verificar que a mercadoria corria o risco de desaparecer sob suas vistas, retornou à cabine, de onde voltou com uma espingarda. Deu um tiro para o ar e gritou:

— Sai, cambada! Deixa minha mercadoria, senão eu mato todo mundo!

Foi um deus-nos-acuda, o pessoal correndo para todo lado.

Em seguida, ainda empunhando a espingarda, o motorista tratou de fechar as portas do baú. Lá dentro ficou trancado o rapaz. Tremendo de medo de ser descoberto pelo motorista armado.

Não demorou muito, outros caminhões foram parando e até um trator apareceu. Com ajuda dos colegas motoristas, o caminhão-baú foi colocado na pista, e como que por um milagre voltou a funcionar.

O motorista agradeceu os amigos que o haviam socorrido e não esperou mais nada. Entrou na cabine e disparou pela estrada.

Sem se dar conta que levava o rapaz trancado no baú.

O motorista só parou no seu destino, altas horas da noite. Foi então que ouviu um barulho vindo de dentro do baú. Gritos e pancadas.

Pegou de novo a carabina e foi abrir as portas do baú. Lá estava um rapaz, rouco de tanto gritar e as mãos feridas de tanto bater nas paredes da prisão em que se colocara.

O motorista assustou-se com a figura desgrenhada e mãos ensangüentadas que saltou para o chão.

— Ei! Quem é você? Que estava...

O motorista não teve tempo para falar mais nada, pois o rapaz saiu num carreirão e sumiu na escuridão da noite.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 22 de Agosto de 2015.

Conto # 909 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/12/2015
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