UM GIRO PELA TERRA

UM GIRO PELA TERRA

Meu tio Sebastião ou tio Bastião, como era chamado pela sobrinhada toda, era teimoso e cético a respeito de tudo ou quase tudo do que lhe contavam. Ele e meu pai, depois de mais velhos, tornaram-se irmãos inseparáveis... Não pela amizade, que não era tamanha, mas nas acaloradas discussões quase diárias que mantinham, sentados ambos nos degraus da escadaria de acesso à capela ou no banco da venda local, pois raramente eles se visitavam, como acontece mesmo entre os bons vizinhos.

Sendo um udenista roxo e o outro pessedista até embaixo d’água, o tema dos bate-bocas era invariavelmente o mesmo – política. E a solução dos problemas brasileiros, propostos por um, ficava sempre no “Hum!Vamos ver...” provocante do outro.

Ambos morreram e estão no céu. Tendo lá chegado muito antes do irmão, pra não perder o costume da terra, o tio Bastião logo procurou alguém pro bate-papo, e imagine só com quem ele deu de cara! Com São Tomé!

Aquele que teve que pôr o dedo?...

Esse mesmo. E as dúvidas aconteciam de ambos os lados até que um dia... Epa! Lá não existem dias nem noites, é sempre “luz perpétua”. Mas como eu ia dizendo, até que numa dessas, o tio Bastião exclamou pra seu interlocutor:

—Ah, isso é mentira!” — exatamente como fizera comigo certa feita aqui na Terra.

Dessa vez, porém, São Tomé não gostou de ser tachado de mentiroso assim na lata e foi reclamar pro seu Mestre, conterrâneo e contemporâneo, a falta de respeito do brasileiro malcriado. Afinal, ele, São Tomé, era o único homem na face da terra, no inferno e no céu, a ter o privilégio de ter tocado nas chagas do Ressuscitado.

E não deu outra! Tio Bastião recebeu, como castigo pela falta de respeito ao Apóstolo padroeiro dos incréus, a incumbência de vir passar uma semana na Terra a observar como é que os homens estão vivendo.

Ele veio, olhou, olhou, escutou, escutou e... não acreditou no que viu e ouviu.

De volta ao céu, ele se viu diante de uma plateia imensa, convidada por São Tomé e pronta para ouvi-lo sobre o que todos, pela visão beatífica, já tinham conhecimento, e foi logo interrogado pelo promotor do evento:

— E daí, Sebastião, o que foi que viste lá na terra?

— Gente do céu, — tio Bastião exclamou — lá na terra, as pessoas estão todas loucas!

— É? Por que, Sebastião — tornou SãoTomé a perguntar com cara de gozação.

— Imagine só! Ninguém mais se cumprimenta nas ruas. Uns andam apressados a falar sozinhos com a mão no ouvido, outros caminham como se estivessem no mundo da lua, de olhos fixos numa tabuinha...

Ouvindo a risada geral, meu tio interrompeu-se intrigado.

— Por que é que estão rindo? Se estão duvidando, desçam lá pra terra e vejam com os próprios olhos, ora!

— Não é preciso, meu xará — acudiu-o o bondoso São Sebastião.

— Aquilo não é tabuinha, como tu disseste. São modernos aparelhos de telefone celular. Por meio deles, as pessoas se comunicam com outras até em longas distâncias...

— E até se veem — SãoTomé completou — mesmo que estejam distantes uma das outras umas das outras a milhares de quilômetros...

— Ah, isso é... — tio Bastião ia duvidando.

— Ooooooolha! — São Tomé advertiu-o, ameaçando-o com o dedo em riste...

— ...demais! — tio Bastião corrigiu-se a tempo. Quase que cometeu nova ofensa.

“Se, por causa da primeira, meu castigo foi passar uma semana na terra, pela segunda, eu teria que ir, com certeza, observar como estão se comportando os condenados lá no inferno”, pensou ele lá com seus botões.