O Perdão
Um odor perfumado de flores e velas inunda todo o ambiente. Essa sensação me recorda um jantar à luz de velas que fiz para minha esposa, mas, longe de estar em um encontro, estou em um velório.
Não exatamente dentro do velório, estou sentado em um banco próximo à porta que dá ao caixão. Estar aqui é horrível não fosse pior se a culpa não me consumisse por essa morte. Ela não me deixa ter forças para entrar e encarar o estrago que fiz a essa família.
Todos passam por mim antes de entrar na sala. Ninguém me olha nos olhos, passam como se eu não estivesse ali. Sim, eu sou culpado podem me julgar, fingir que não existo. eu mereço. Não devia ter bebido aquela noite, era responsável por todos naquele carro e minha imprudência causou isso, não nego. Posso não ser uma pessoa querida nesse enterro, mas preciso pedir perdão àquela mãe.
O silêncio na sala é quebrado constantemente pelo seu choro e a cada suspiro dela o meu coração aperta cada vez mais, como uma dor pungente. Não sei por quanto tempo consigo aguentar. Apenas escuto a tristeza que consome essa mãe e tento imaginar como deve ser perder um filho. Conheço a alegria de ter um, mas a tristeza de perder chega a ser inimaginável. Enterrar o próprio filho deve ser a maior dor do mundo. E eu sou a causa desse sofrimento.
Quero ter coragem para me erguer e pedir perdão pelo que fiz, no entanto permaneço estático em meu lugar. Mais e mais familiares chegam, novamente sem notar a minha presença. Todos entram em silêncio na sala em direção da mulher desconsolável, apenas lhe dando um abraço e sentando ao seu lado.
Após algumas horas, tomo coragem de me levantar e encarar minha irresponsabilidade. Atravesso a porta. São passos duros e cada passo parece mais pesado que o outro. Mesmo dentro da sala ninguém manifesta qualquer reação pela minha presença. Ergo minha cabeça e vejo a mãe debruçada sobre o caixão do filho. Ela parece ser a única a notar a minha presença pois, ao perceber a minha aproximação, saiu de cima do caixão e se virou para mim. Consegui assim, finalmente, olhar para o caixão e ver o estrago que tinha causado ao meu próprio corpo. Ela fixava seus olhos nos meus. Um frio me consumia por inteiro. Meus olhos continuam fixos aos seus, minha boca começou a tremular.
- Me perdoe pelo que eu fiz, mãe.
Ela empalidece da cabeça aos pés, seus olhos giram por toda a sala. Muitos correm ao perceber que ela está desmaiando. Não queria lhe fazer mais mal, mas o alívio me veio como um golpe.