Sobre o Amor e suas Consequências
I
Durante muitos e muitos anos os reis da Cracóvia tentaram ter um filho. Na esperança de conseguirem isso, fizeram os mais diversos tratamentos que o leitor possa imaginar. Quando os tratamentos se mostraram inúteis, passaram as simpatias. E quando estas também se mostram infrutíferas, apelaram para fé.
Nada funcionou.
Por todos os cantos do reino, não se falava de outro assunto. A infeliz infertilidade dos reis era o assunto principal das discussões entre os súditos.
No início, era um somente um assunto sem importância. Mas com o passar dos anos, o problema tornou-se grave.
Sem um filho, a milenar linhagem real dos reis da Cracóvia ficava seriamente ameaçada. Isso sem falar na real possibilidade de invasão do reino pela Neerlândia, reino vizinho, cujo rei julgava-se dessedente distante dos reis da Cracóvia.
Por tudo isso, tal qual não foi à felicidade de todos, quando a rainha apareceu grávida.
Sua gravidez foi anunciada pelos quatro cantos do reino. Festas foram dadas quase diariamente para comemorar o feito.
Com a notícia da gravidez da esposa, o Rei atingira esse supremo instante de felicidade em que tudo é perfeição e bondade e em que não se pode acreditar nem no mal, nem na desgraça, nem na dor.
Todavia nem tudo foi felicidade. Mal sabia ele que seus problemas estavam apenas começando...
II
Após o anúncio da gravidez da Rainha, houve por todo o reino, durante vários dias, festas e festas para comemorar o feito.
Quando a emoção finalmente foi controlada e a razão retomou o seu lugar na cabeça dos homens, os melhores médicos do reino foram chamados para consultar a rainha.
Dezenas de exames foram feitos e muitas discussões aconteceram até que os médicos chegassem a um consenso: a gravidez da Rainha era de extremo risco.
Praticamente um milagre.
Com isso, os meses seguintes foram muito tensos. A rainha era acompanhada de perto pelos médicos e qualquer mal-estar, típico de uma gravidez, era motivo de muita apreensão.
A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe. Chegou o oitavo mês, mês de angustias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.
Um dia, já no nono mês de gestação, a Rainha tomava tranquilamente seu café da manha, quando sentiu um súbito mal-estar. Os médicos foram chamados e constaram que a Rainha acabara de entrar em trabalho de parto.
Uma confusão iniciou-se.
Servos corriam por todo o palácio, sem saber o que fazer.
A Rainha foi levada para o quarto.
Quando o Rei finalmente foi avisado da notícia, a Rainha já estava trancada em um quarto, junto com vários médicos e ajudantes, realizando o trabalho de parto. Tremendo-se de nervoso, foi para o quarto ao lado e pôs-se a andar de lado para o outro. Queixumes que mais pareciam gemidos de um animal ferido eram ouvidos através da porta.
“O que estará acontecendo naquele quarto”, pensava, suando frio.
Um tremor nervoso tomava de conta do seu corpo.
Os gemidos aumentavam cada vez mais.
Continuou a andar de um lado para o outro do quarto. Vez ou outra, inutilmente, pedia informações sobre o estado de saúde da Rainha, para uma das servas.
“Que demora, será que ocorreu alguma coisa? E esses gritos horrendos... Que dor, que sofrimento... Mas parecem um animal... Um animal mortalmente ferido... Alguma coisa deve ter acontecido, não é possível...”, indagou-se.
A demora, os gritos, e a expectativa fizeram com que o Rei começasse a se perguntar sobre o seu problema. E, de pergunta em pergunta, de dedução em dedução, abriu-se no espírito do Rei campo para um suspeita dolorosa: algo de muito ruim devia estar acontecendo.
Ele estava justamente pensando nisso, quando os gemidos cessaram: decorreram ainda alguns segundos. De repente ouviu-se um grito pavoroso, que nada tinha de humano.
Como acontece muitas vezes depois de longas e violentas inquietações, tomou-se de conta dele um terror irracional, convenceu-se de que o filho ou a mulher, ou pior; que os dois estavam mortos.
Tudo quanto via e ouvia parecia confirmar seus pavores.
Correu para o quarto onde estava a Rainha. Com alguma dificuldade conseguiu entrar.
Pelo caminho encontrou alguns médicos. Todos sérios, casmurros.
“Acabou tudo”, pensou, e um suor frio lhe cobriu o rosto.
Ouviu então um choro de criança.
E ao ouvir isso, de súbito compreendeu a alegria que este grito significava; os olhos incharam-se de lágrimas, correu até a Rainha e lhe abraçou amorosamente.
- Meu amor... – disse a Rainha, ainda convalescendo.
- Sim, querida, diga, diga.
- Um filho... Tivemos um varão.
De tão feliz que estava, havia até esquecido do filho.
Quando olhou para o lado, viu o filho enrolado em manta.
- Sim, querida, tivemos um filho e ele será o melhor rei que já existiu nessa terra – disse soluçando feito uma criança.
Naquela noite ninguém conseguiu dormir no palácio.
A notícia logo se espalhou e, antes do amanhecer, já haviam festas por todo o reino, para comemorar o nascimento do novo monarca.
III
Após o nascimento do filho, o Rei, muito orgulhoso, deu uma grande festa para comemorar o fato. Foram convidados para a festa os monarcas de todos os reinos próximos.
Findada a festa, o Rei, a Rainha e o filho, dirigiram-se ao oráculo real.
Antes de continuar com a história, faz-se necessário dizer ao leitor alguma coisa sobre os oráculos e o seu papel na vida dos habitantes da Cracóvia. Infelizmente, não me sinto competente na matéria, vou tentar, porém, dar-vos uma ligeira idéia.
Não se sabe ao certo quando e como os oráculos surgiram no reino. Sabe-se apenas que eles existiam antes mesmo da invenção da escrita, pois até mesmo nos mais antigos pergaminhos eles são citados. Fato que levou muitos cronistas do reino a afirmarem que eles já existiam antes mesmo da fundação do lugar.
Vejamos, porém, o que são esses oráculos. Os oráculos eram espécies de adivinhos; pessoas que possuíam o dom mágico de prever o futuro. Por possuírem tamanha habilidade, logo se tornaram conselheiros de todas as pessoas do reino. Sempre que um cidadão da Cracóvia possuía alguma dúvida sobre qualquer ato de sua vida, dos mais simples aos mais complexos, aconselhava-se com um oráculo.
Com o tempo, palavra de oráculo virou lei. O povo lhes tinha verdadeira adoração.
O leitor mais atento já deduziu que, com tamanho poder sobre a vida das pessoas, os oráculos não eram bem vistos por todos. Ao longo da história, muitos os perseguiram e tentaram destruí-los, sem sucesso. A cada nova perseguição eles renasciam ainda mais fortes e mais poderosos.
O oráculo real estava localizado em um grande templo. O templo situava-se um velho castelo de pedra.
Quando chegaram, foram atendidos por um homem grande e barbudo.
- Viemos descobrir a sorte de nosso filho – disse o Rei, todo sorridente.
- Venham comigo, o oráculo já vos espera – disse o homem barbudo.
Seguindo o homem barbudo, eles caminharam por longos e estreitos corredores de pedra, que mais pareciam um labirinto. Minutos depois, finalmente chegaram a um quarto.
- Esperem aqui, o oráculo já esta chegando.
Enquanto esperavam o oráculo, ficaram os dois em silêncio, sendo este quebrado vez ou outra pelo bebê. Nesse período, o Rei aproveitou para dá uma boa olhada no lugar. Era um quarto exíguo e pouco confortável, os móveis grosseiros e pobres – apenas o indispensável.
“Tamanho poder e vive como um camponês qualquer”, pensou o Rei, ao observar o quarto.
Logo um homem muito velho entrou no quarto acompanhado por dois ajudantes.
Era o oráculo.
O oráculo era um homem baixo, encurvado, de pernas vacilantes. O rosto era muito ressequido, todo sulcado de rugas. Os olhos eram pequenos, mas muito vivos. Os lábios finos estavam sempre sorridentes.
- Meu amado, Rei. Eu estava a sua espera – disse o oráculo.
- Grande oráculo, nós viemos aqui, humildemente, pedir para que abençoe nosso filho, meu herdeiro.
- Eu sei amado, Rei, eu sei de tudo...
O oráculo tomou lugar num antigo divãzinho de mogno forrado de couro e fez com que os visitantes, exceto os dois ajudantes, se sentassem junto à parede aposta, em cadeiras forradas de couro preto e muito gasto. Os ajudantes, por sua vez, ficaram parados perto da porta.
Conversaram durante algum tempo, e trocaram algumas cortesias.
- Então, onde está o pequeno?
- Aqui está ele – disse a Rainha, mostrando o seu filho, cheia de orgulho.
O oráculo levantou-se e vagarosamente aproximou-se da Rainha, que com as mãos segurava a criança no colo. Posou a mão sobre a cabeça do pequeno monarca e após alguns segundos soltou um grito seco.
- Prevejo que algum de ruim acontecerá com o pequeno – disse o oráculo.
- O quê? – perguntaram ao mesmo tempo, o Rei e a Rainha.
- Prevejo que algo... Algo ruim...
- O quê? Vamos homem, fale logo! – perguntou a Rainha.
- De amor...
- Amor?! O que o amor tem haver com isso? – interrogou o Rei.
- De amor... De amor... Este pequeno... De amor, morrerá...
- De amor?! Como assim, de amor? – interrogou o Rei, com uma voz trêmula.
- De amor... De amor este pequeno morrerá... De amor... – repetia loucamente o oráculo, que parecia está em transe.
- Explique-se! – gritou o Rei, balançando o oráculo com uma das mãos.
- De amor... De amor... Morrerá... De amor... Amor...
- Vamos homem, explique-se – gritou o Rei, balançando o oráculo, agora com as duas mãos.
- Pare! Você vai matá-lo – gritou a Rainha.
Somente com a intervenção dos ajudantes do oráculo é que o Rei foi controlado.
O oráculo, por sua vez, caiu desacordado.
IV
Durante todo o caminho de volta para o palácio, fez-se silêncio mortal.
Somente vez ou outra o Rei e a Rainha trocavam alguns olhares.
Estavam os dois naquele estado de irritação e tristeza em que as mulheres choram silenciosamente e sem motivo e os homens sentem a necessidade de se queixarem da vida, de si mesmos, de Deus...
Quando chegaram ao palácio, deixaram a criança no berço, aos cuidados de uma ama. Depois disso, foram os dois para um quarto reservado.
- Isso é muito grave, precisamos fazer alguma coisa – disse o Rei.
- Nosso filho... Nosso filhinho... Tão inocente – disse a Rainha, com os olhos úmidos.
- Morrerá de amor? Você entendeu isso? – interrogou ele.
- Não sei... Aquele velho não dizia coisa com coisa. Aposto que está senil.
- Senil? Esse velho é mais lúcido que todos nós. Ele é o oráculo do reino, um santo. Nunca duvide dele. Em milhares de anos, os oráculos do nosso reino nunca erraram uma previsão.
- Ma-mas você viu o modo que ele disse aquilo sobre o nosso filho? Nem parecia que era ele...
- Eu sei, o oráculo certamente estava em transe...
- Em transe?! Para mim isso tem outro nome: loucura. Esse velho certamente está louco ou pior, quem sabe ele não foi subornando pelo Rei da Neerlândia? Aquele desgraçado seria capaz de uma coisa dessa...
- Comprado? Impossível. Um oráculo da Cracóvia nunca se venderia, ainda mais para um rei da Neerlândia...
- O que você quer que eu faça então? – disse gritando e chorando muito. – Quer que eu simplesmente aceite que meu filho, meu único filho, meu tesouro, irá morrer de... De... Amor?
O Rei suspirou alto e triste.
- Não, tudo o que eu quero é que você me ajude a entender essa previsão do oráculo. Só assim poderemos fazer alguma coisa para retardar essa previsão. O oráculo nos disse que ele irá morrer de amor, mas não disse quando. Poderemos fazer com que ele viva muito. Só precisamos entender a previsão do oráculo.
- Ora, mais essa previsão é obvia... Morrer de amor... Está na cara que nosso filho vai morrer por causa de uma paixão.
- Uma paixão?
- Destas que acontecem vez ou outra com os homens, que os fazem perder a cabeça...
- Mais é claro!!! Uma paixão... Mas como podemos evitar que ele se apaixone? – perguntou para ela.
- Simples. Não permitiremos que ele tenha contato com nenhuma outra mulher, que não seja eu.
Os dois continuaram a conversar durante muitas horas. Já era madrugada quando saíram do quarto onde estavam.
Quando saíram já tinha um plano em mente: nenhuma mulher, que não fosse à Rainha, poderia chegar a menos de cem quilômetros do palácio.
V
Correram-se os anos.
O plano dos reis foi posto em prática e o menino cresceu sem nenhum outro contato feminino, que não fosse o da Rainha amorosa.
Os primeiros anos correram sem nenhum problema. Com a inocência natural das crianças, o jovem Príncipe nada notou de diferente. Porém, com a chegada da adolescência, as coisas começaram a ficar complicadas.
O jovem Príncipe começou a ficar desconfiado que havia alguma coisa de errada com a sua vida, e as perguntas inconvenientes não tardaram a surgir:
- Pai, por que a mãe é diferente?
- Diferente como, meu filho? – disse o Rei, tentando escapar da pergunta.
- Não sei... Ela é diferente. O senhor, por exemplo, se parece com os criados, e comigo também. Já a mamãe, bem... Ela não se parece com ninguém que eu conheça.
- Bem... Sua mãe, sua mãe é especial. Ela foi um presente dos deuses, por isso ela é assim tão diferente – disse visivelmente nervoso e constrangido.
- Agora, vá brinca um pouco, que eu tenho muito que fazer – acrescentou pegando com as mãos uma pilha de papeis.
A vida do Rei realmente não estava fácil. Além das perguntas inconvenientes do filho aumentarem a cada dia, havia outro problema que lhe incomodava profundamente. Um problema de cunho lógico: se o jovem Príncipe nunca conhecesse uma mulher, ele não se apaixonaria, mas, conseqüentemente, nunca teria um filho e assim, a dinastia dos reis da Cracóvia estava fadada a extinção e todo o esforço feito por eles para proteger o filho, de nada adiantaria no final.
Corroído por esse problema, o Rei passou muitas noites insones, pensando em uma solução para ele. Passava as noites andando de um lado para o outro do palácio. De nada adiantou, não teve nenhuma idéia que não fosse revogar a proibição quanto às mulheres.
Sem visualizar nenhuma alternativa, o Rei resolveu ter uma conversa com a Rainha, para juntos discutirem o futuro do Príncipe.
VI
Durante vários dias, o Rei tentou encontrar uma forma de iniciar a conversa que gostaria de ter com a Rainha. Faltava-lhe coragem. Algumas vezes, até chegou a iniciar a conversa, mas foi miseravelmente interrompido por alguma frivolidade.
Lamentavelmente, o Rei fazia parte daquele grupo de pessoas notavelmente indecisas. Mostrava-se indeciso perante qualquer questão, das mais frívolas as mais importantes. Mostrava-se ainda mais indeciso, porém, perante as questões que envolviam seus interesses pessoais. Ora entendia que deveria proceder de uma maneira, ora entendia que devia agir precisamente ao contrario.
Sua indecisão era tamanha que, se um dia pedissem para que escolhesse entre um prato de comida e uma tigela com água, era capaz de morrer de sede e de fome, antes que conseguisse escolher entre um dos dois.
De dia, enquanto estava trancando sozinho em seus aposentos, o Rei enchia-se de coragem. “De hoje não passa, à noite lhe contarei tudo”, dizia para com os seus botões. Á noite, porém, ao ver Rainha, toda a construção mental que havia feito durante todo o dia era reduzida a pó, e novamente sua alma era invadida por dúvidas de todos os tipos. “Falo ou não falo”, interrogava-se a si próprio. “Mas vejam só como ela ama esse garoto”, pensava ao ver a Rainha enchendo o principezinho de mimos. “Se tivermos essa conversa hoje, no estado de espírito em que ela se encontra, provavelmente fará um escândalo... Por outro lado, um dia terei que falar sobre isso com ela, e quanto mais cedo melhor... E agora, falo ou não falo”. E não saia disso, acabando por não falar nada.
E assim, corroído por sua indecisão, o Rei passou vários de seus dias.
VII
Jantavam os dois.
A mesa onde costumavam jantar era tão grande que, muitas vezes, a distância entre os dois era tamanha, que tinham que falar um com o outro gritando. Dessa vez, a Rainha resolveu sentar próxima ao marido. Quando este chegou para jantar, mal ele se instalara no seu lugar, ela logo concluiu, pela maneira como desdobrou o guardanapo e afastou com um gesto brusco, os copos que tinha diante, que ele não estava bem disposto.
Findando o jantar, a Rainha e o marido dirigiram-se para um dos aposentos do palácio.
- Então, meu querido, o que de tão sério você queria me contar? – disse ela, com uma voz agradável.
O Rei não respondeu imediatamente, ficou alguns minutos calado, pensando.
- Bem... Eu não sei por onde começar... É um assunto tão complicado, tão importante...
- Ora, vamos, meu amor, diga logo. O que pode ser tão importante assim? Os conselheiros estão te perturbando novamente com aquele problema com a Neerlâdia? – disse de um modo muito jovial, quase trocista.
O Rei novamente fez silêncio. Olhou por alguns instantes para o rosto da Rainha e, ao ver o sorriso que principiava em seu rosto, encheu-se de coragem.
- É sobre nosso filho.
- Nosso filho? O que tem ele? – disse ela, agora com uma voz séria e cheia de preocupação.
- Bem, minha querida, você sabe... Nosso filho está próximo de fazer dezoitos anos... É um rapaz forte, educado, inteligente...
- Vamos, homem, deixe de rodeios e fale logo o que deseja! – disse ela, interrompendo o pensamento do marido.
- Bem... Não sei como dizer isso, minha querida, mas vamos ter que revogar nossa decisão quanto a proibição das mulheres.
- Mas você sabe que isso é impossível – disse gritando. – Por acaso, esqueceu da profecia? Quer matar o seu filho?
- Não, naturalmente não esqueci a profecia... Acontece que, a profecia fala que ele morrerá de amor, mas não diz quando... Além disso, existe algo que talvez você ainda não tenha pensado. Se nosso filho nunca conhecer uma mulher, ele não poderá ter filho e assim, nossa dinastia e nosso reino ficaram seriamente ameaçados.
Calaram-se ambos. A Rainha ficou, por alguns instantes, pensativa, como que digerindo as informações que o marido acabara de lhe dar.
- Não, isso é um absurdo, você vai matar meu filho – gritou, quebrando o silêncio. Eu não permitirei um absurdo desses, não permitirei...
O Rei balançou a cabeça com impaciência.
- Minha querida, amanha revogarei essa ordem...
- Não, eu não permitirei... Eu não permitirei... – disse ela, chorando muito.
- Infelizmente, minha querida, isso não é um pedido. É um aviso. Amanha tudo estará acabado.
E ao dizer isso, o Rei abandou o quarto, deixando a Rainha sozinha.
VIII
A ordem foi revogada.
Nas semanas seguintes os arredores do palácio foram invadidos por milhares de mulheres, de todos os tipos. O jovem Príncipe, como era de se esperar, ficou completamente fascinado com essa nova situação.
Entretanto, o rapaz mal teve tempo para aproveitar a nova realidade em que passou a viver. Poucas semanas após revogar a ordem de proibição das mulheres, o velho Rei caiu de cama, muito adoentado.
Todos os médicos do reino foram chamados. Dezenas de exames foram feitos. Mas nada adiantou. A doença evoluiu muito rapidamente e, poucas semanas depois dos primeiros sintomas, o velho Rei faleceu, sob a suspeita de ter sido envenenado.
Após sua morte, foi decretado luto oficial de uma semana em todo o reino. Dezenas de milhares de súditos acompanharam o enterro do Rei e juraram vingança contra o Rei da Neerlândia, suspeito de ter sido o mandante do envenenamento.
Passado o enterro, o jovem Príncipe foi nomeado regente do reino e passou a governar sob os olhos atentos de sua controladora mãe.
IX
Tirando o fato de que, agora, como regente do reino, ele precisava comparecer a alguns eventos sociais, a vida do jovem príncipe pouco se modificou com a morte de seu pai. Continuava, ainda, a passar grande parte de sua vida preso no palácio, sob os olhos vigilantes da mãe.
Mesmo após a revogação da proibição de contanto com as mulheres, o Príncipe pouco tinha contanto com o gênero feminino, pois nas poucas vezes que saia para os eventos sociais, a presença feminina, por ordem da Rainha, era restringida ao máximo.
X
Se a vida humana fosse como um cálculo matemático, seria muito fácil perceber que a vida do jovem Príncipe estava fadada, para sempre, ao marasmo que dominava os seus dias. Ao menos, enquanto sua controladora mãe existisse. Mas, ao contrário da matemática, onde a ordem dos fatores não altera o resultado, a vida humana é impossível de ser calculada, justamente porque um mínimo detalhe, por mais simples que possa parecer, é capaz de alterar uma vida inteira. Assim, nesse caso, é correto afirmar que, para os seres humanos, a ordem dos fatores alteram - e muito, o resultado de uma vida inteira.
As pessoas chamam esses pequenos detalhes, capazes de alterar uma vida inteira, de vários nomes; para alguns, é sorte; já para outros, destino. Os nomes podem ser diferentes, mas as conseqüências desses pequenos fatores na vida humana é a mesma: esses seres, sempre caprichosos, tornam possível o impossível.
Com o nosso Príncipe, não foi diferente.
Tudo começou uma semana antes da festa de São N., padroeiro do reino da Cracôvia, quando a Rainha foi acometida por um forte resfriado. Acamada e debilitada, ela não pôde estar presente nem nos preparativos para a festa, nem na festa, e isso fez com que a organização da festa fosse bem mais tolerante em relação à presença feminina no local.
Logo que souberam da doença da Rainha, os nobres que iriam participar da festa em homenagem ao padroeiro, trataram de embelezar ao máximo suas filhas.
No dia da festa, o salão estava lotado. Toda a aristocracia do reino havia aparecido, especialmente as mulheres. Estavam presentes no salão, gente de idades e caráter diversos, mas todas interessadas na mesma coisa: o jovem Príncipe herdeiro.
Durante a festa, como costuma acontecer em qualquer aglomeração de pessoas, os convidados se dividiram em vários grupos distintos, que freqüentemente mudavam entre si.
Foi no meio dessa confusão de grupos e pessoas diferentes, que ele a viu pela primeira vez. Era uma moça que representava ai seus vinte e quatro anos, no pleno desenvolvimento.
Com extrema descrição, o Príncipe tratou de se aproximar da jovem, que mais tarde veio a descobrir que se chamava Carolina, – nome que ganhou em homenagem a Rainha Carolina da Moldávia -, e iniciou uma conversa reservada. E ali mesmo, no meio dos convidados, antes do sol banhar o firmamento com suas luzes, o Príncipe já estava completamente apaixonado.
XI
Foi muito fácil para a Rainha, perceber que, apesar de todas as suas precauções, o rapaz havia se apaixonado.
Depois que conheceu Carolina, o Príncipe passava os dias distraído, suspirado pelos cantos do palácio. Percebia-se, pela extrema felicidade que o jovem aparentava, que ele estava vivendo um sonho. O Príncipe vivia agora no reino encantado do amor, onde nada se parece com a realidade e tudo é belo e mágico.
Com a ajuda de espiões, a Rainha descobriu a identidade da mulher, pela qual o seu filho havia se apaixonado. Com a identidade em mãos, ela foi ter uma conversa com o seu filho. Durante a conversa, a Rainha deixou claro que, não só não aprovava o relacionamento, como também o proibia de todas as maneiras.
O Príncipe, como era de se esperar, não aceitou a proibição da mãe, e jurou que fugiria com a sua amada.
XII
Logo que a discussão terminou, o Príncipe, por ordem da Rainha, foi trancafiado em um dos quartos do castelo.
Durante o tempo em que permaneceu preso, o Príncipe recebia apenas a visita da mãe e de alguns criados, que vinha lhe trazer mantimentos e limpar o lugar.
No sétimo dia do cárcere, ele soube, por intermédio de um dos criados, que a sua amada havia morrido, sob a suspeita de envenenamento.
Horas mais tarde, quando a sua mãe veio lhe visitar, ouviu-se por todo o lugar um grito seco e cheio de dor.
O jovem Príncipe havia acabado de se enforcar.
XIII
A morte do marido e do filho em tão pouco tempo, foi um duro golpe na saúde física e metal da Rainha.
Poucos dias depois da morte do filho, ela caiu doente. Vários médicos foram chamados para cuidar dela, mas a verdade é que a Rainha nunca mais se recuperou e, alguns meses depois do início da doença, ela foi declarada mentalmente incapaz.
A Rainha passou os seus últimos anos de vida presa em uma cama, em um dos quartos do palácio. Os criados que cuidaram dela em seus momentos finais, dizem que a velha Rainha passou seus últimos anos de vida repetindo constantemente uma única frase:
- Foi por amor, foi tudo por amor. Foi por amor...