IV.7 – A CURA DE ARMANDO. (ELE, O MEU AMOR... MEU PEQUENO BEIJA-FLOR.)

Cap. XXIII. (fls.74) - VENDEDOR – Armando.

As pessoas, como de costume, começam a se aglomerar curiosas. Um rapaz franzino de aspecto brejeiro, aproximou-se e olhou a moça com atenção.

______Pode falar amigo, estou ouvindo. Se quiser guardar segredo, pegue o sussurrador...

O jovem sorriu.

______Não, não tenho segredos, mas consigo falar de forma que só você possa me ouvir. Não pertenço a essa comunidade, sou um forasteiro... de passagem por Vali Oãs Cricosfan. Sou Filho de uma Aldeia, muito longe daqui. Minha gente sobrevive da caça, da pesca, do plantio de várias sementes... do cultivo da mandioca e do Maracujá Sangue. Somos uma tribo miscigenada, composta por pessoas que são expulsas de outras tribos, por não concordarem com as regras que nos são impostas.

O rapaz baixa a cabeça como se algo o magoasse ao extremo. Valentina para de bordar e fica olhando para ele durante alguns segundos. Ele funga, e o som característico denuncia sua tentativa em conter um soluço.

______Nasci sob o augúrio da Lua Cheia, mas abdiquei desse privilégio... fui expulso da minha tribo porque ninguém mais confiava em mim. Esse é o preço que pagamos por desistir de seguirmos um destino traçado ao nascermos. Antes de sair vagando pelo mundo, gritei em pé, sobre o mourão da cancela: "___Se vocês não confiam em mim, paciência, nada posso fazer. Prefiro ser um Filho da Lua Crescente, um Theurge, um Pesquisador das Tradições, do que um Matador. A Minha Mãe Terra não me amará menos por isso. Tenho certeza!" Fui embora sem olhar para trás. Mas, quando dobrei a primeira curva do caminho que me ocultaria para sempre da minha aldeia, ouvi uma voz gritar meu nome. Era a menina mais linda da comunidade que corria chorando em minha direção..."_____Espere Lindoh trouxe um farnel... não pode viajar sem nada para comer... trouxe também uma cabaça d'água. Tome." Ela chorava muito quando me entregou os presentes. Não lhe perguntei o porque de estar fazendo aquilo... nem era necessário. Qualquer dia eu voltarei e lhe recompensarei por tanta generosidade... (rever essa fala. Modificar)

A bordadeira percebe uma vibração emocionada na voz do rapaz, enquanto fala sobre a menina bondosa e intue do que se trata. Entretanto, como boa ouvinte permanece calada, aguardando a continuação da conversa.

_______... quando criança sempre preferi brincar ou conversar com meus amigos: os animais, as plantas, o vento e a água. Sempre gostei de estudar ao lado das nascentes. A água corrente me fascina de forma encantatória. Seu silêncio líquido pode ser o som de rios, das cachoeiras, ou mesmo da chuva, nas biqueiras das casas ou no vidro das janelas, água de torneira, água da chuva nas valas das ruas. Sinto uma ligação muito forte, com os sons e o cheiro da natureza. Talvez por conta disso a Umbra e seus habitantes nunca me assustaram, muito ao contrário! Na minha adolescência li O PEQUENO PRINCIPE, de Antoine Saint-Exupéry. Até os dias atuais Minha Alma Imortal continua encantada com a raposinha! Quero regressar ao meu povoado, quero rever aquela menina... mas sei qual o preço que pagarei, se voltar... como podemos Amar tanto uma pessoa, ao ponto de perdermos o medo... a noção do perigo? (rever esses atributos – Benjamim?)

Valentina lhe oferece um copo com água.

_______Respire. Respire. Respire... assim... isso. Relaxe... ouça o som da natureza. Ouça o vento cantando na copa das árvores. Não tenha pressa... beba a água e espere ela limpar sua garganta. Depois, se for do seu agrado, continue, senão, contará sua história outro dia."

O rapaz bebe todo o líquido, em grandes goles, quase se engasgando... tosse. Inspira profundamente o ar cheiroso vindo das flores das laranjeiras e mangueiras, plantadas na pequena avenida, no centro do povoado. Expira de olhos fechados e seu semblante reflete uma grande paz interior. Continua a conversa.

_______Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de Sol... conhecerei seus passos, um barulho que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca...". Pois então? É bem assim que eu sou. Simplesmente. Entretanto, a raposa é muito discriminada na literatura. De modo geral é vista como mentirosa, trapaceira, ladra... etc e tal. Antoine Saint-Exupéry eleva-a ao grau mais Sagrado que alguém pode alcançar, nesse Vale de Lágrimas: AMIGO! Há também o conto O Lenhador e a Raposa. Onde a Gratidão e a Confiança no Amigo é posta a prova de forma dolorosa. Podemos conhecer essa história, em detalhes, lendo livros. Amo esse animalzinho, por ser um sobrevivente. Por seu tamanho, sua astúcia. Por ele, a mim, parecer muito com o Lua Nova... um freguês em levar rasteira dos 'amigos'... assim como eu! Amo sua semelhança com o coiote o qual, também, admiro. Ele, o coiote, é capaz de rir, mesmo nas horas mais difíceis. É intitulado na criação como "O Riso de Gaia". Chamam-nos trapaceiros e coisas do gênero, mas quando ninguém se atreve a resolver 'certos problemas', chamam quem? Pois é... chamam os 'bucha de canhão', os sem 'confiança', os desprestigiados, pra resolver! E o melhor é que nós resolvemos, pena que depois somos descartados... feito lixo! Mas, o bom disso tudo é que nós, na maioria das vezes, nem paramos muito tempo para observar como existem pessoas 'carta de baralho', escroques, oportunistas, vagabundos sem valia de vintém furado. Ao contrário, nós, os Renegados, damos a volta por cima e agradecemos... por termos a oportunidade de ser útil."

A artesã continua seu bordado, tranquilamente. Vez por outra olha para o jovem, demonstrando interesse na sua narrativa e o incentivando a continuar, mesmo sem emitir qualquer som.

_______ Sabe, vivo como um vagabundo, ora aqui, ora ali, trabalhando por um prato de sopa, uma rede e um lençol... anoiteço mas nunca amanheço no mesmo lugar... o mundo é grande... quero percorrer o maior espaço que conseguir. Vivo em paz. Não tenho inimigos, tenho auxiliadores de perfeição. Os outros é que me tem como inimigo... chegando ao ponto de, por coisa nenhuma, me desafiar para uma briga. Na maioria das vezes só olho, viro as costas e vou embora, mas, uma vez ou outra resolvo brincar... "ai o bicho pega"!

A senhorina pousa o bastidor no colo, as mãos sobre o bastidor e em silêncio o olha curiosa.

_______Com o último encrenqueiro que me desafiou, aprontei uma boa... lhe disse sorrindo: Para ser meu auxiliador você serve, visto que só necessita ser o que você É. Entretanto, para ser meu inimigo, necessita mais que isso, necessita: ter DIGNIDADE e ser PERFEITO em todos os sentidos, mas isso é tão particular, não é mesmo? O que é certo para você pode não ser o certo para mim e vice-versa, então! Mas tenho um convite a lhe fazer: Você aceita caminhar comigo até a pousada, agora, sem lanternas acesas, assim mesmo nesse breu? Agora, assim... há muitos cães por essas bandas! Você consegue detectar e evitar as tulhas de bosta? Se conseguir, me desafie para a briga, com as armas que você escolher e eu aceitarei. Se não, nem vou considerar seu 'desafio'. Foi só um segundo de descuido e ele enfiou um dos pés num monte de porcaria... ri com gosto...____Cuidad... vish... desculpe mas, você enfiou o pé na merda 'colega'. Nesse caso, não aceito seu desafio. Pelo jeito, você gosta mesmo é de bosta... quando não é a sua é a dos outros!? Argh. Ao tentar evitar sujar o outro pé, ele perdeu o equilibrio e caiu sobre um monte de esterco. Sai gargalhando. Nessa noite não dormi na pousada. Aquele encrenqueiro deve me caçar até hoje. Agora preciso ir. Antes porém gostaria que, após me ouvir, me desse um nome apropriado... pode me batizar, Minha Rainha?

______ Você pode retirar uma mensagem, ali, na caixinha de música... é só girar a manivela, esperar a música terminar e pegar sua resposta...

O jovem executa a ação conforme Valentina lhe ensina. Gira a manivela e ouve-se um breve trecho de Sonata ao Luar, de Beethoven... quando a música para um compartimento se abre e a ponta de um papel aparece. Ele o retira, desembrulhou e lê: " Ferrão pra ferroar. Dentes pra morder. Asas pra voar. Patas pra correr. Lobo Mangangá... êêê." O jovem vai até a pequena cesta, pega sua prenda e entrega a Valentina, que a desembrulha.

_______Pegue, é a sua prenda!

O rapaz pega a caixinha, abre e olha o conteúdo, fascinado. Após fecha-a e põe no bolso. Se curva, pega delicademente a mão da artesã, beija-a com o máximo respeito, faz uma mesura e se afasta sorrindo, sem olhar para trás. Daquele dia em diante, todos no povoado lembram, contando e recontando, a história do jovem que tinha nome de besouro mas que na verdade era um lobo.

______... e por hoje é só!

______E o que foi que ele ganhou vovó?

______Ninguém sabe. Algumas pessoas juram que foi um par de alianças... outras dizem que foi um bottom em forma de mangangá... há até quem afirme que foi um espelho... mas ninguém sabe ao certo...

______ Vovó, será que um dia ele volta aqui, com a menina que lembrou de cuidar dele quando foi expulso do povoado?

_____Como assim, Rafael? Porque ele voltaria justo com essa menina?

_____ Ela amava ele, né vovó?! Gostaria muito de conhecê-los. Devem ser pessoas muito felizes. Ninguém pode obrigar os outros a serem aquilo que eles não querem ser. Acredito que o Lobo Besouro deve ter encontrado seu destino e reencontrado o seu amor... como era mesmo o nome dela?

______Deborah.

______Ela tem o mesmo nome que a senhora?

A vovó para de tecer e sorri afetuosamente.

______Existem muitas Deborah pelo mundo Rafael, mas a Deborah do Lobo Besouro é única, para ele. Ela o cativou. Agora, todo mundo para casa, tomar banho... é quase hora do almoço. Hoje à noite assistiremos Os Estranhos Brincadores do Tempo encenando o Diálogo de Acaraí e Abapiar - POLUÍDOS! Vamos.

O garoto corre na frente e sobe numa pedra. Levanta o braço direito e aponta o caminho... sorrindo.

_______Eu Sou Mangangá-mão-do-sono-sobre-os-olhos... e falei. Fui.

Corre ribanceira acima com a agilidade de um Lobo Guará, seguido pelos outros garotos, deixando a tecelão com os olhos marejados de felicidade!

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OBS: em construção.

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 10/11/2015
Reeditado em 24/08/2018
Código do texto: T5444677
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