O Estranho no Retrato
Foi de repente que Jack reparou naquela figura estranha o encarando. Um homem, grudado dentro de uma moldura, com a cabeça parcialmente inclinada para a esquerda, como se não entendesse o que via. Um olhar estranho, curioso, e com uma expressão de pena que mexera com ele. Era um quadro incômodo.
Jack era um rapaz com problemas de socialização. Não gostava de falar com estranhos, nem de grandes reuniões. Seu passatempo preferido era tomar café na Bomboniere de Saint Martins, na Praça das Amendoeiras. Nessa cafeteria, observar os quadros. Todos belos, exóticos. E nesse dia, aquele quadro novo chamara sua atenção. Não que fosse diferente dos demais. Na Saint Martins, todos os quadros nas paredes eram rostos de pessoas. Todas diferentes, mas com expressões muito reais. Mas a daquele rapaz, aquele estranho no retrato, mexera de forma diferente com Jack.
Dentro de si, sentia-se preso. Como se o mundo fosse uma gaiola inteira. As regras que eram impostas em sua vida desde sua infância, o faziam descrer na sociedade em qual crescera. Mulheres nas cozinhas, infelizes, homens nos campos de batalha defendendo a nação. Tiros e aviões sobrevoando sua cidade, e bombardeando seus dias com pânico e medo. Criança chorando ao seu redor, famílias perdendo membros queridos. E Jack, ali isolado. Jack ali imaginando como seria ir para outros lugares, longe do cheiro de sangue e terra que inundava os arredores das Amendoeiras.
Dentro da Bomboniere, ele parecia em outro mundo. Como se fosse avulso aos acontecimentos que destruíam o mundo. E ao olhar para os rostos nos quadros, ficava imaginando como aquelas pessoas se sentiam. Aquele homem, aquele olhar que ele lançava sobre quem o observasse. A criança sorrindo apontando para frente, a idosa abaixando levemente seus óculos, parecendo tentando perceber mais detalhes que as lentes poderiam atrapalhar. Havia um homem de cavanhaque espesso e acinzentado, que com o dedo indicador no queixo, parecia tentar decifrar o que ocorria dentro da Saint Martins. Eram tantos rostos, tantas expressões, que Jack os considerava seus amigos.
E assim foi todos os dias. Seu vazio ia sendo preenchido, e a curiosidade o dominou por anos à frente. Jack começou a perceber que seus dias eram todos iguais. Dias cinzas, em tons esmaecidos e sem vida. Acordava cedo, tomava seu banho frio sob os sons de bombas e rajadas de tiros ao longe. Depois se vestia protegendo-se do inverno que parecia sem fim. Lia então um capítulo da bíblia empoeirada sobre o criado mudo comido por cupins, e saía na rua, direto para a Bomboniere, onde passava o dia bebendo café e observando os retratos. Um programa repetitivo e sem qualquer empolgação ou beleza de um passeio ao parque ou algum filme de Hollywood. Os quadros acabavam por entretê-lo, até que acordava em sua cama, sem se lembrar como, sem saber em que dia do ano estava. Apenas sabendo que aqueles rostos o aguardavam.
Agora o rosto era outro. Agora uma mulher o observava no lugar que fora daquele homem interessante. A nova expressão era mais tênue. A mulher parecia estranhar o que via. Ao seu lado, Jack pode perceber que havia um menino, uma criança de uns cinco anos, bebendo refrigerante em sua mamadeira. Parecia estar jogando o líquido contra ao fotógrafo. Jack sorriu. A arte realmente era incrível. A arte não o deixava perceber que seu mundo era aquilo ali. Limitado. Imposto por seu criador. E que dali ele nunca sairia. Num tempo diferente, lento, num ciclo sem fim rotineiro, a parte do que realmente ocorria dos demais lados do universo.
............ ............ ...........
[...] Quando Leonard jogou o refrigerante em seu vestido, Sra. Mostow apenas virou-se e ralhou com ele. Há pelo menos dez minutos ela estava entretida com o quadro de um estranho homem em uma Bomboniere. Um homem magro, de vestimentas puídas, que com a cabeça inclinada, parecia a observar pedindo ajuda. Ao fundo da pintura, podia-se observar uma guerra acontecer. Fogo, pessoas gritando na janela da loja, e todos ali dentro avulsos ao que acontecia lá fora. Era como se ali eles estivessem ilusoriamente seguros.
Sra. Mostow finalmente entendera porque seu marido passava dias e dias observando o estranho no retrato. Era algo hipnotizante, mas que pelo menos tirava seu marido de casa, e o apresentava a um mundo mais extenso, em expansão. Um mundo que somente a arte poderia proporciona-lo.
Fim.
Foi de repente que Jack reparou naquela figura estranha o encarando. Um homem, grudado dentro de uma moldura, com a cabeça parcialmente inclinada para a esquerda, como se não entendesse o que via. Um olhar estranho, curioso, e com uma expressão de pena que mexera com ele. Era um quadro incômodo.
Jack era um rapaz com problemas de socialização. Não gostava de falar com estranhos, nem de grandes reuniões. Seu passatempo preferido era tomar café na Bomboniere de Saint Martins, na Praça das Amendoeiras. Nessa cafeteria, observar os quadros. Todos belos, exóticos. E nesse dia, aquele quadro novo chamara sua atenção. Não que fosse diferente dos demais. Na Saint Martins, todos os quadros nas paredes eram rostos de pessoas. Todas diferentes, mas com expressões muito reais. Mas a daquele rapaz, aquele estranho no retrato, mexera de forma diferente com Jack.
Dentro de si, sentia-se preso. Como se o mundo fosse uma gaiola inteira. As regras que eram impostas em sua vida desde sua infância, o faziam descrer na sociedade em qual crescera. Mulheres nas cozinhas, infelizes, homens nos campos de batalha defendendo a nação. Tiros e aviões sobrevoando sua cidade, e bombardeando seus dias com pânico e medo. Criança chorando ao seu redor, famílias perdendo membros queridos. E Jack, ali isolado. Jack ali imaginando como seria ir para outros lugares, longe do cheiro de sangue e terra que inundava os arredores das Amendoeiras.
Dentro da Bomboniere, ele parecia em outro mundo. Como se fosse avulso aos acontecimentos que destruíam o mundo. E ao olhar para os rostos nos quadros, ficava imaginando como aquelas pessoas se sentiam. Aquele homem, aquele olhar que ele lançava sobre quem o observasse. A criança sorrindo apontando para frente, a idosa abaixando levemente seus óculos, parecendo tentando perceber mais detalhes que as lentes poderiam atrapalhar. Havia um homem de cavanhaque espesso e acinzentado, que com o dedo indicador no queixo, parecia tentar decifrar o que ocorria dentro da Saint Martins. Eram tantos rostos, tantas expressões, que Jack os considerava seus amigos.
E assim foi todos os dias. Seu vazio ia sendo preenchido, e a curiosidade o dominou por anos à frente. Jack começou a perceber que seus dias eram todos iguais. Dias cinzas, em tons esmaecidos e sem vida. Acordava cedo, tomava seu banho frio sob os sons de bombas e rajadas de tiros ao longe. Depois se vestia protegendo-se do inverno que parecia sem fim. Lia então um capítulo da bíblia empoeirada sobre o criado mudo comido por cupins, e saía na rua, direto para a Bomboniere, onde passava o dia bebendo café e observando os retratos. Um programa repetitivo e sem qualquer empolgação ou beleza de um passeio ao parque ou algum filme de Hollywood. Os quadros acabavam por entretê-lo, até que acordava em sua cama, sem se lembrar como, sem saber em que dia do ano estava. Apenas sabendo que aqueles rostos o aguardavam.
Agora o rosto era outro. Agora uma mulher o observava no lugar que fora daquele homem interessante. A nova expressão era mais tênue. A mulher parecia estranhar o que via. Ao seu lado, Jack pode perceber que havia um menino, uma criança de uns cinco anos, bebendo refrigerante em sua mamadeira. Parecia estar jogando o líquido contra ao fotógrafo. Jack sorriu. A arte realmente era incrível. A arte não o deixava perceber que seu mundo era aquilo ali. Limitado. Imposto por seu criador. E que dali ele nunca sairia. Num tempo diferente, lento, num ciclo sem fim rotineiro, a parte do que realmente ocorria dos demais lados do universo.
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[...] Quando Leonard jogou o refrigerante em seu vestido, Sra. Mostow apenas virou-se e ralhou com ele. Há pelo menos dez minutos ela estava entretida com o quadro de um estranho homem em uma Bomboniere. Um homem magro, de vestimentas puídas, que com a cabeça inclinada, parecia a observar pedindo ajuda. Ao fundo da pintura, podia-se observar uma guerra acontecer. Fogo, pessoas gritando na janela da loja, e todos ali dentro avulsos ao que acontecia lá fora. Era como se ali eles estivessem ilusoriamente seguros.
Sra. Mostow finalmente entendera porque seu marido passava dias e dias observando o estranho no retrato. Era algo hipnotizante, mas que pelo menos tirava seu marido de casa, e o apresentava a um mundo mais extenso, em expansão. Um mundo que somente a arte poderia proporciona-lo.
Fim.