UM ACIDENTE

Imagina a situação de um caminhão que desce, totalmente desgovernado ladeira abaixo, em plena escuridão, duas horas da madrugada. É um acontecimento inusitado. Você vai pensar que o motorista dormiu ao volante ou que está embriagado. Mas, o que aconteceu nem eu consigo lembrar, pois foi tão rápido e inesperado que não tive tempo para mais nada a não ser meter pé no freio e, desesperado, tentar controlar o veículo. Eu não bebera uma gota sequer de álcool e, que me lembre, não dormira ao volante, embora estivesse muito cansado. Foi uma coisa de louco. Só a lembrança me dá arrepios. O carro descia a toda e eu vi a morte de perto. Tudo transformou-se em breu. Uma pane geral do motor pode ter sido a principal causadora do incidente. O volante esteve travado e por mais que eu tentasse manobrá-lo não conseguia. A chave prendeu-se à ignição e tudo era pânico a minha frente.

As árvores passavam feito balas arremessadas de um canhão. O carro saltitava e eu pressentia o momento de uma capotagem estilo efeito especial cinematográfico. Não adiantavam as pisadelas no pedal de freio; nada obedecia aos meus comandos. Eu olhava para fora e o que mais via, ao vislumbrar portas e janelas das casas, eram moradores apavorados: uns tapavam os olhos para não terem que assistir a uma colisão fatal; outros bracejavam em desespero, como a pedirem socorro ao pobre coitado prestes a uma tragédia. O som ensurdecedor vinha das buzinadas, a única estratégia factível que cabia no meio de tudo aquilo; por isso os olhares e o testemunho assustador de quem se encontrava no raio do acontecimento.

Uma curva se aproximava e estava perto o meu fim. Até ali tudo tinha sido uma ladeira reta e íngreme, mas, à frente, se algo não acontecesse, se eu não conseguisse parar o maldito do caminhão, só mesmo um milagre evitaria o meu estraçalhar. Não havia chovido recentemente e não havia orvalho, logo, era um problema a menos a pista não estar escorregadia, mas era liso o asfalto e facilitava demais uma alta velocidade já em situação normal; imagina então no meu caso. Diria que a sorte não era, nem de longe minha companheira. Lembrei-me do freio de mão; não seria grande coisa, mas era fator importante diante das circunstâncias. Senti, quando o acionei, uma certa queda na velocidade, o que me permitiu manipular com mais calma o volante e destravá-lo. Havia agora algum controle de minha parte e eu não perdi tempo. Estava a menos de duzentos metros da curva e avistei a enorme casa que seria uma das minhas vítimas caso eu não agisse com rapidez.

Não consegui ver obstáculos por trás, nem construções, nem matagal nem nada. Então, foi o que pensei: havia ali um precipício. Minha intuição era acertada, pois a região era serrana e com cachoeiras e, onde há cachoeiras deve haver penhascos e ribanceiras. Por ser noite tudo era dificultado, principalmente a visão. O que haveria, de fato, por trás da casa? O medo quis de mim se aproximar; era tudo que eu não permitia jamais que acontecesse. Eu precisava de coragem, concentração e atitude, menos de medo. Sendo assim, aprumei-me sobre o banco, puxei fundo a respiração; isto me fez recobrar a lucidez ameaçada.

Meus olhos se aguçaram. Vi que, conseguindo me desviar da casa toparia com uma clareira e nela, um campo de futebol. Em volta, a escuridão, mas deu para perceber a ausência de casas e, novamente o vazio. Não havia outro remédio, seria ali que faria parar o veículo. Contanto que ninguém mais, além de mim pagasse pelo desleixo não pensei nas consequências que a próxima manobra poderia trazer-me. Por certo morreria esmagado entre as ferragens, dada a velocidade em que ainda me encontrava ou espatifar-me-ia lá embaixo, no fundo do precipício, pois era o que eu imaginava haver dentro da escuridão.

Senti, no entanto que a velocidade tendia a diminuir com a aproximação. Percebi que isto se dava com a queda de inclinação da via. Era tudo tão negro em torno de mim que nem isso eu esperava; para mim a ladeira era continuada até que viesse a tal clareira. Para auxiliar nessa boa nova comecei a pisotear o pedal de freio, na esperança de que ele me obedecesse e isto funcionou até certo ponto. Mas não havia mais tempo para nada. Deixei-me invadir o campo de futebol. Passei por ali a quase quarenta por hora. Senti um impacto, um rodopio e não vi mais nada.

– Foi nesse momento que você passou imprensado entre duas árvores. O caminhão foi lançado para o vale e foi lá que o encontramos desacordado, mas ainda com vida – disse o capitão dos bombeiros na primeira visita que me fez enquanto ainda no hospital.

– Já descobriram o que causou o acidente? O que houve com o caminhão? – eu perguntei, ansioso.

– Segundo perícia, laudo mecânico e levantamento policial está tudo sob a mais perfeita ordem. O veículo é novo, vistoriado e nenhum deslize foi encontrado.

– O freio, foi a falta de freio então a causadora de tudo.

– Isto foi o mais exaustivamente verificado. O freio está, e sempre esteve, em perfeitas condições. Não tinha porque falhar. Prova disso é que você conseguiu acioná-lo pouco antes do choque, apenas não havia mais tempo de parar o veículo. Não fosse assim e não restaria nada de você neste momento.

– Então foi isso: sorte – eu disse, emocionado.

– Mais do que isto. Proteção, eu diria. Você acaba de nascer novamente. Agradeça.

– É o que farei muito daqui para frente. Obrigado por tudo!

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 29/07/2015
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