Lupinos (Parte 1)

Estava eu mais uma vez tendo um dos meus surtos de nervoso em meu quarto. Dia completamente estressante, aquele tipo de dia que exige ao máximo em todos os setores da sua vida e NADA dá certo. Briga na família, meu tio preferido que foi como um pai para mim está na UTI em estado grave por conta do câncer, no trabalho eu estava sendo mais uma vez feita de trouxa e trabalhando feito camelo pra não receber nem 1/5 do merecido, minha mãe completamente alcoólatra, e por fim, a mulher da minha vida escapou pelas minhas mãos.

Eu a deixei ir embora, a pessoa perfeita para o resto da minha vida estava comigo e me amava, e mesmo assim, eu não fui capaz de mantê-la. Eu estava passando por uma depressão severa há quase 2 anos, perdi a fome de viver e com isso me tornei uma pessoa insuportável, até para quem me amava. A saudade que ela me faz é extremamente destrutiva.

Dinheiro, bom, não ta fácil pra ninguém. Ou seja, é mais uma preocupação latejante na minha cabeça. E entre outros mil problemas que martelavam na minha mente que se eu for ficar falando....

E lá estava, quebrando tudo, jogando diversas coisas ao chão e aos prantos, soluçando e tremendo o corpo todo. A unica coisa que passava pela minha cabeça era destruir, rasgar, machucar... Eu era um animal. A única coisa que eu tinha certeza era que eu precisava por isso para fora.

Você sendo um cara de 22 anos, saudável, atleta e bem ativo, nunca passaria pela sua cabeça que você pudesse estar tendo um infarto. Pois naquele exato momento em que eu quebrava mais alguma coisa no chão do meu quarto uma dor alucinante explodiu em meu peito.

Eu urrei de dor caindo ao chão, me sustentando o pouco que eu conseguia forçando os braços contra o chão. Escutava um barulho extremamente agudo e constante, me atordoando mais ainda. Avistei o celular no móvel, me esforcei chegando mais perto e tateando a mesa agarrei o celular para chamar uma ambulância. Outra dor mais forte em meu peito me fez largar o aparelho que caiu debaixo da cama e em seguida uma dor que parecia que todos os meus ossos estavam se quebrando.

Deitado ao chão quase imóvel, arfando de dor e quase perdendo a consciência olhei para o espelho do armário. À minha frente, a imagem que se via era surreal. Tudo passava como se estivesse em câmera lenta, diversas lacerações foram consumindo meu corpo, a pele se rasgando e caindo em retalhos deixando à mostra os ossos quebrados. A dor? Eu estava em estado de transe já de tanta dor que eu estava sentindo.

Em questões de segundos após esta visão macabra, outra onda de dor mais forte tomou conta de mim, me tirando do transe. Me retorcia involuntariamente com a sensação de todos meus ossos quebrados estarem se juntando porém em formas não humanas. Senti um por um se ajeitarem e senti um arrepio corrento por toda minha espinha. Silêncio.

Eu já não sentia mais dor, só a lembrança do terror que senti. Deve ter passado o que quer que tenha sido isso. Eu deveria estar ajoelhado no chão, apoiado em minhas mãos. Não sei, eu não podia ver. Ainda estava com os olhos fechados tentando me recuperar no escuro dos últimos segundos.

Respirei fundo, me concentrei. Abri os olhos e enxergava diferente, as cores não eram iguais, estava um pouco embaçado ainda. Efeito colateral do que eu tive provavelmente, espero que seja apenas momentâneo. Fechei os olhos apertando-os afim de ver se surtia algum resultado na minha visão. Abri novamente e as cores ainda não estavam iguais porém nada mais estava embaçado, pelo contrário, eu enxergava bem melhor.

Quase que como um instinto olhei para o espelho para ver o que tinha acontecido comigo, se o que eu tinha visto acontecer tinha sido apenas uma alucinação provocada pela dor. Olhei para o reflexo e o que eu via era um pelo lustroso cinza escuro cobrindo todo o corpo de um lobo enorme. O lobo estava alerta e me olhava bem nos olhos quase como se procurasse me conhecer só pelo olhar. Ele procurava por uma identidade.

Foi aí que entendi. O lobo não estava me pedindo identificação. Eu era o lobo cinza, procurando por qualquer esperança em meus próprios olhos. Aquele momento senti uma calmaria tomar conta do meu corpo. Olhava minha forma de lobo e naquele momento eu sabia quem eu era, nunca em minha vida tinha tido isso. A minha vida toda não me sentia bem, eu nunca era eu mesmo, parecia que eu era uma alma em um corpo errado.

Mas ali não mais, ali eu era pleno. Com essa sensação de calmaria e de auto-reconhecimento as forças foram deixando meu corpo e acabei por desmaiar observando o lobo até sua imagem desaparecer em uma escuridão.

Acordei com uma enxaqueca das bravas. Estava deitado nu no chão do meu quarto. Os músculos latejavam como fazem depois de um bom treino de academia bem puxado. Fitei o espelho e a sensação de não pertencer a nenhum lugar voltou ao meu corpo. Sentia falta do lobo que eu havia visto naquele mesmo espelho. Por mais real que parecia ter sido, o provável era que tivesse sido uma alucinação provocada pela dor.

Segui os próximos dois dias indo à hospitais e todos declaravam que eu estava com uma saúde perfeita. Acreditei nos médicos e continuei minha rotina. Na saída do trabalho um velho índio que vendia artesanato numa praça ao lado do estacionamento me parou. Ele olhou bem nos meus olhos, do mesmo jeito que o lobo me encarou da 1ª vez.

- Você sabe do lobo. - Ele me disse segurando meus braços.

- Que lobo? - Eu o perguntei tentando me desvencilhar daquele louco - Como você sabe do lobo cinza?

- Dentro de alguns de nós correm os espíritos dos lobos, temos dois lobos ao mais exato.

- Dois lobos? Como assim? - Eu já não tentava mais me desvencilhar dele.

- Temos o lobo cinza que seu espírito trabalha para o equilíbrio - Ele abaixou o tom de voz me olhando mais de perto - E temos o lobo negro, de um preto tal qual o da escuridão, seu espírito trabalha para as impurezas, para o ódio, a vingança, a ira e o caos!

- Mas eu não vi nenhum lobo preto, apenas o cinza.

- Ele vai aparecer! Um momento de raiva incontrolável pode ser manipulado pelo lobo negro. Mas tudo depende de você jovem. A lenda diz que nós controlamos os dois lobos, um deles vai se tornar Alpha dentro de você. Só depende de qual você alimenta mais.

- Olha eu não sei do que você está falando... - Eu já estava começando a achar que ele era só um lunático falando sobre lobos.

- Tome cuidado rapaz, basta que alimente apenas um grão ao lobo negro para que ele se torne Alpha. Uma vez Alpha, nunca mais. Você estará perdido...

Ele me soltou indo se sentar em sua tenda de artesanato bebendo um pouco de cachaça. Eu segui meu dia pensando no que ele havia me falado sobre os dois lobos dentro de mim. A sensação era estranha e abstrata mas eu quase podia sentir os lobos em mim. Estaria eu devaneando como um louco velho índio ou aquilo ia acontecer de novo me provando não estar louco e eu veria o lobo cinza ou o preto?

Talvez....

Giuliana Joia
Enviado por Giuliana Joia em 13/07/2015
Reeditado em 14/07/2015
Código do texto: T5309075
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