O ENTARDECER

Agamenon, um velho professor aposentado havia sofrido um traumático acidente de carro, fraturando as duas pernas, costelas, tíbias, patelas, clavículas, inclusive a mandíbula que lhe impedia até de falar e, por esta razão, depois de enfim sair do hospital, onde havia permanecido internado por meses, ficou prostrado em uma cama em sua casa. Como era solteiro e não tinha sequer um só parente ou amigo fiel que lhe pudesse fazer companhia, contratou uma enfermeira para vir todos os dias, no final das tardes, a fim de tratar dos seus inúmeros ferimentos, aplicar as intermináveis injeções e manusear os infames medicamentos, coisa que certamente ele não seria capaz de fazer.

Embora ela fosse ficar somente por algumas horas, o pobre professor permanecia ali imobilizado, solitário, preso aos ferros da fria cama de hospital, mergulhado na penumbra à espera de que ela chegasse. Pelo menos teria com quem compartilhar a solidão.

Para sua surpresa, no entanto, bem cedo, percebeu que havia alguém na cozinha, pois o barulho de louças, o tilintar de copos, talheres e o cheiro forte de café fresco chegou-lhe até o quarto. De sua cama dava para ver a porta da cozinha e curioso, ficou à espreita para saber de quem se tratava, pois tinha certeza de que não tinha contratado mais ninguém para os afazeres domésticos, além da enfermeira que só viria no final da tarde, conforme o acertado.

Em pouco minutos chegou-lhe uma distinta e gentil senhora vestida de jaleco branco com uma bandeja, trazendo-lhe café quente, torradas, geleia e suco de laranja. Sem dizer palavra, dirigiu-lhe um sorriso doce e em silêncio começou a tratar de seus ferimentos com uma delicadeza impressionante. O professor maravilhado, tomou o delicioso café também no silêncio de sua mudez, enquanto aquela discreta senhora, sem pronunciar sequer uma sílaba que fosse, cuidava dele com grande zelo e dedicação.

Sem ainda dizer nada, a mulher terminou, sorriu para ele, tomou-lhe a bandeja e saiu do quarto em silêncio que mal se ouvia o barulho de seus sapatos. O professor Agamenon também não pôde falar nada, já que com a mandíbula fraturada, decerto lhe seria impossível. Logo, satisfeito, ainda surpreso e maravilhado com a cuidadora, adormeceu profundamente.

Acordou de supetão quando adentrou no quarto uma enfermeira com cara de poucos amigos. Já passava das cinco horas da tarde. Ele percebeu que não era a mesma cuidadora que tinha vindo mais cedo. A mulher mostrava-se visivelmente aborrecida, dizendo que fora enganada, que ele não tinha nenhum ferimento, nem precisava de nenhum cuidado ambulatorial e que aliás, não tinha nada que o prendesse àquela cama e que só foi ali perder o seu precioso tempo, pois tinha outros doentes de verdade para cuidar.

Atônito, Agamenon experimentou falar e para sua surpresa, não sentia mais nada na mandíbula fraturada. Aliás não sentia nenhuma dor. Parecia mesmo que nunca estivera doente nem que sofrera nenhum acidente. A enfermeira saiu bastante aborrecida, batendo a porta com toda a força de que dispunha.

O velho professor levantou-se da cama disposto e abriu a vidraça. Uma brisa suave invadiu o quarto, agora iluminado pelos últimos raios de sol. O céu estava vermelho-alaranjado com nuvens rosadas que se pronunciavam por detrás da torre da igreja. Pássaros pequeninos cruzavam o céu em revoada ao entardecer. Respirou fundo e sentou-se em uma poltrona de frente para a janela.

Percebeu então que havia uma fumegante xícara de café quente em cima do criado mudo.