Não foi um sonho

O que eu esperava quando encontrei uma mulher estonteante e nua na minha cama de solteiro?

Bom, na verdade eu não esperava. Mas quem espera, não é mesmo? Todos nós sempre esperamos o rotineiro, o que nos convém. Ou melhor, a realidade.

Mas que absurdo há nisso? Ela só estava lá. Nua. Linda. Eu não a conhecia e nem ela á mim. Mas isso não era um problema. Pelo menos não para mim. Sou um ator. Desempregado há nove anos, tudo bem, mas quem se importa? Sou descolado, sei conversar. E puxar assunto com aquela belezinha pelada seria a coisa mais fácil do mundo.

Bom... Seria.

Era pra ser, não é? Só dizer um ‘’oi, como vai?’’, ou talvez um ‘’vamos tomar um banho de banheira?’’, ou até um ‘’quer um sanduíche de atum?’’. E se caso ela não gostasse de atum: ‘’quer um sanduíche de presunto com mussarela?’’. ‘’Ou com mortadela?’’. Se isso não fosse suficiente, eu apenas tiraria a minha roupa também.

Fácil.

Quem disse que aquela porra era fácil?

Pra começo de conversa, eu precisava de um banho. Não poderia simplesmente me arrastar até ela, pois era esse o seu poder. Fazer os homens se arrastarem implorando o seu corpo. Bom, era o que estava quase acontecendo comigo. Mas e o meu cheiro? Eu passara o dia todo fora de casa, andando debaixo de um sol muito forte á procura de uma boa alma que me oferecesse um emprego digno. O teste para uma peça que eu havia feito um dia antes tinha terminado como todos os outros dos últimos nove anos. Com um grandioso ‘’NÃO’’. Mas como sempre, em vão. Farmácias, lanchonetes, peixarias, bares, restaurantes, bordéis... É, é isso mesmo, a crise tá braba. Nada. Parece que ninguém precisa mais de empregados. Mas aí eu via aqueles que trabalhavam nesses lugares e me perguntava: ‘’Mas que porra de sorte é essa?’’. Num determinado momento, eles foram iguais a mim. Pediram, imploraram por um emprego que pagasse honestamente. E conseguiram. Eles estavam precisando. Só na vez deles. Por que não na minha vez?

Mas deixando a minha lástima de lado, havia sido um dia terrível para mim.

Ao acordar, desci da cama com o pé esquerdo e o torci. Que dor lastimável! Dos infernos! Mas me pus a andar mesmo assim. Eu não poderia ficar em casa mais um dia. Tinha que arranjar um emprego. Uma torção não poderia me deixar mais quebrado. Não. Mas para ajudar, quando fui escovar os dentes, a minha pasta havia acabado. ‘’Droga, esqueci de comprar!’’. Não que eu tivesse dinheiro sobrando pra isso. Incorporando um pouco de vergonha na cara, algo que eu nem me lembrava mais como era, me arrastei até o apartamento ao lado. Bati na porta. Quinze vezes. Quinze malditas vezes! E quem atende? O namorado brutamontes da minha vizinha. Nós temos uma rixa. Na verdade ele tem uma rixa comigo. E eu daria a razão pra ele. Quem mandou ter uma namorada gostosa pra cacete? (Não mais gostosa do que a peladona na minha cama). Eu olho mesmo, seco até meus olhos arderem. E num belo dia ele percebeu. Não me bateu, nem me ameaçou. Pelo menos não com palavras. Aquele olhar de ‘’se toca, mané, senão eu arrebento sua cara’’, foi o bastante. Então pronto! Ele abriu a porta, achou que eu queria alguma coisa, menos uma pasta de dente emprestada. Um soco no peito, eu caí e chorei. Depois de vinte minutos, me recompus e me arrastei até o outro apartamento. Tive sorte de ser uma velhinha caridosa. Ela me presenteou com sete caixinhas de pasta de dente, cinco rolos de papel-higiênico, e com um beijo seco na minha bochecha. E não sei bem, mas vi em seus olhos um tesão que não era descarregado há mais de trinta anos. Cruz-credo! E depois de muito sofrimento, consegui chegar até o meu carro. Se é que aquilo pode ser chamado de carro. Tanto não pode ser chamado de carro, que ele não pegou. Um carro de verdade pegaria. ‘’Puta que o pariu!’’. ‘’P-U-T-A Q-U-E O P-A-R-I-U!’’. Mil vezes! Um milhão de vezes! Ele sempre me deixava na mão. Sempre que eu precisava. Aí eu pensei: ‘’É hoje, meu Deus’’. Tive que andar. Não preciso dizer que o torção no pé não me ajudou muito. Eu andava um pouco e sempre que achava um banquinho tinha que sentar. E numa dessas sentadas, dois moradores de rua me atacaram. Um me agarrou enquanto o outro pegou o meu celular que eu ainda nem tinha acabado de pagar e a minha pasta onde eu carregava meus currículos e alguns trocados pra comer qualquer gororoba. Mas que... Como eu ia ligar pra policia? Que policia o que. O caralho com a polícia. Eu havia me envolvido em quatro brigas no último mês, e não tava com a ficha legal. Então me pus a andar. E como andei. Andei pra caralho! Andei daqui até a Nova Zelândia. E voltei. Mas e o emprego? Tudo, menos um emprego.

Então dá pra deduzir que eu cheguei em casa triste, cansado, o pé doendo, o peito latejando, o sovaco fedendo, o cabelo desgrenhado... E para a velhinha que havia flertado comigo, um sorriso amarelo. Ganhei uma piscadela. Opa, a melhor coisa do meu dia. Alguém gosta de mim.

Não era o bastante. Eu me sentia um derrotado. Um fracassado. Um nada. Uma bosta. Uma bosta de gente. Andei de cabeça baixa até o meu apartamento e quando abro a porta... Vocês já sabem.

E lá estava eu.

Não poderia acreditar em maior sorte. Alguém poderia? Se sim, quem? Quem, porra? Uma sorte igual essa? Emprego? Quem se importa com emprego?

Tudo bem, eu estava travado, fedido, mas se ela estava lá, era pra me agradar. Um presente de Deus por ele ter sido tão chato comigo naquele dia. Sou um pouco ateu, mas ‘’Obrigado, Senhor!’’

Se eu não estivesse paralisado, teria gritado: ‘’Oh, my fucking God!’’

Eu não disse ainda, mas ela sorria. A desgraçada sorria e passava a mão por suas coxas grossas. Sensual ao extremo. Aí pensei, ‘’que se dane o meu cheiro’’. E se ela desaparecesse? Eu me mataria. Eu juro, juro com todas as minhas fracas forças que tinha no momento, eu mataria. Juro por Deus, por minha mãe, pelo diabo, por qualquer coisa.

EU ME MATARIA!

Então não me restava outra opção. Fui até ela, parei na sua frente e comecei a descer o zíper da calça de forma sensual. Abaixei a calça e tirei o meu amigo da cueca. E imaginem a minha surpresa quando ela fez uma cara nervosa, se levantou, enrolou-se numa toalha e me empurrou com força.

Se eu fosse contar essa história para os meus amigos eu diria que foi apenas um sonho e que ao tentar agarrá-la, ela havia virado poeira e desaparecido nas minhas mãos.

Mas não. Ela foi embora pela porta. Simples assim. Mas não sem antes pestanejar:

- Puta que o pariu, não se pode mais descansar pelada e ter sossego ao mesmo tempo?