SOBRE ALGO MORRER DENTRO DE VOCÊ
você tem medo, sabe. desse mundo te pegar pelos pés e te tirar o chão. você quase tem taquicardia só de pensar ter algo nas mãos e depois vê-lo partir. o mundo te dói, te abocanha os ossos, e te bombeia solidão. e você não quer chorar. não na frente dessa multidão, que é cúmplice do seu sofrimento. você quer desabar sozinha, porque é forte demais pra mostrar sentimento, e o mundo não te entenderia. ninguém entenderia. nem você mesma te desvenda. você se parte e não deixa vestígios. você cai e esconde os hematomas. você se fecha pro o exterior e vive no seu mundinho, na tentativa de se machucar menos. mas acontece que sempre machuca do mesmo jeito. sempre corta. e as tuas fugas de tudo e de si mesma não amenizam teu caos. não amenizam você. o seu coração acaba te virando um fardo, eu sei. e cada batimento cardíaco te ressoa destroços. cada sístole e cada diastole só marcam em vermelho carmesim as tuas faltas com o universo. o peso da tua alma quase te faz despencar. e os teus sopros de leveza e calmaria são tão efêmeros. e tão fugazes. que a tua pseudofelicidade nunca é o bastante. você se basta? eu sei que não. você se perde. não se alcança. não se afoga. porque você é rasa demais pra toda essa tua amargura que te transborda. você é LSD. calmante. nicotina. você é o cigarro que o céu faz questão de tragar em nuvens cinzentas. você é o presídio de almas carcerárias e doentes. e isso te assusta. te martela. te tira o ar. a vida. você é quase uma fugitiva anunciada quando você acorda e vê tua poesia nascer quadrada e crua. você se remói, se revira, se desdobra. mas continua sendo caos e desilusão da cabeça aos pés. você se arruína quando deixa a ausência de tudo te corroer. e você se corrói. você se coloca entre mesas e cadeiras, entre almas e sentimentos na esperança de manter tua fachada de pessoa perfeita, quando no fundo você sabe não ser. você corta o dedo e escorre tristeza. seu sangue é manchado em poluição cadavérica. você é mais mórbida que funeral no domingo de manhã. que missa de sétimo dia. você é mais seca que o deserto do saara. o teu corpo abriga silêncio. mas teu peito grita misericórdia. e paz. e libertação. porque você só se sufoca nessa tua busca do invisível. teus sonhos são tão platônicos, que até o espaço te seria pouco. você se camufla entre sorrisos e falsas euforias, quando na verdade você só se corrompe. e se abstrai desse mundo. você finge fazer parte daqui, quando sabe que não pode caber. quando você é um campo minado prestes a explodir.
teu coração é um samba dolorido, com o mundo pisando em você.