As ruas
Eu ando pelas ruas dessa cidade à muito tempo, mas elas nunca pareceram tão vazias. Cadê as crianças jogando bola? Cadê as pessoas apressadas para o trabalho? Cadê os carros, que sempre formavam um engarrafamento? Tudo sumiu.
Ando aos tropeços, pois minhas forças estão se esgotando. Não me recordo quando exatamente comecei essa caminhada, mas faz muito tempo.
Dou uma parada e me encosto em uma placa de trânsito escrito "pare", engraçado como ao ler isso, eu senti vontade de parar, sentar naquela calçada e esperar a morte consumir meus últimos resquísito de vida. Mas eu não posso parar, sei que devo continuar, eu prometi a mim mesmo, ou prometi a alguém? Não me recordo.
Volto a caminhada e tudo está como antes. Nenhum sinal de vida, de movimento, de barulho, nada. O céu está nublado, igual a todos os outros dias. A muito tempo não vejo os raios de sol. Um vento meio quente, meio frio, sopra contra minhas costas me dando impulso para a frente. Eu o agradeço.
Viro em uma esquina onde há um sinal de transito. Está verde, e eu sigo. Ao horizonte vejo alguém. Está de costas para mim, de cabeça baixa. Está sentado no meio da avenida. Será que esse alguém também espera que tudo volte ao normal e que o carro apareça e o estraçalhe?
Continuo seguindo com os meus pés se arrastando.
Falta pouco.
Só mais um pouco.
Eu chego onde o alguém está.
Eu me sento ao seu lado.
O alguém olha para mim.
Eu me surpreendo ao ver uma jovem, assim como eu, com belos olhos azuis brilhantes, sobrancelhas franzidas, e a boca entre-aberta. Provavelmente ela está tão surpresa quanto eu.
Não digo nada.
Não consigo.
Então ficamos no silêncio, olhando um para o outro.
Olho fundo em seus olhos. Tento desvendá-la. Tento saber quem é ela. Tento saber como ela se sente. Fico com medo de fazer qualquer tipo de movimento e assustá-la, mas mesmo assim busco encontrar sua mão esquerda.
Eu a encontro.
Eu a sinto.
Ela não interrompe.
A mão é suave.
É fria.
A minha também.
A escaro novamente.
Ela não aparenta estar com medo. Não mais. Decido me aproximar.
Nossos braços roçam um no outro. Não consigo me conter, é mais forte do que eu.
Aproximo minha cabeça da dela.
Meus lábios do dela.
Eu a beijo. Muito rápido.
Seus lábios são frios.
Os meus também.
Ela se afasta, mas continua me olhando.
Ela abre a boca, quer dizer algo. Eu pergunto:
— Quem é você? — Ela me encara com seus olhos azuis.
— Sou aquilo que você mais quer, mas não teve o prazer de experimentar, não ainda. — Sua voz é fraca, lenta, suave.
— Do que você está falando? — Pergunto, confuso.
— É hora da sua caminhada acabar, tolo jovem. Você caminhou muito, sabe por que? Porque você é forte, e admiro pessoas fortes. Você não desistiu. Você não vacilou. Você não é como todos os outros. Você pensa de uma força que nem eu consigo.
— Quem é você? — Pergunto novamente.
— Não queira saber quem sou eu. Não será bom, você não me teme.
Fico com medo.
Me afasto.
Me levanto.
Eu corro.
Não sei como. Não sei com qual forças.
Eu sei quem ela é. E novamente eu tenho medo.
— Não adianta correr, ou se esconder. Vou encontrá-lo sempre.
Eu continuo correndo.
Corro dela.
Da jovem de olhos azuis.
Da morte.
Mas então, o que por muito tempo desejei volta ao normal.
Novamente vejo pessoas, crianças, carros... Um deles me acerta.
Eu caio.
Me sinto destruído.
Olho para cima, vejo os raios do sol.
Eu sangro.
Eu não choro.
Eu a vejo novamente.
Vejo meus olhos.
Ela me chama.
Eu luto.
Ela sorri para mim.
Já não tenho forças.
Eu vou.