NÃO ERA PARA SER


O relógio marcava 3:05, Marta suspirou baixinho, e tentou aquietar sua alma, sussurrou para si mesma, que ainda era madrugada, não era hora de despertar. De nada adiantou, seu olhar estalado, mirava o teto do quarto. Inerte ela ali ficou, ouvindo a voz dos seus sentimentos. Eles contavam histórias repletas de lembranças e profunda saudade.
Sabendo que seria inútil insistir para conciliar o sono, que escapara por uma das frestas da janela, Marta deixou que as recordações se espalhassem por todo quarto, feito uma represa que rompe e derrama suas águas inundando tudo ao seu redor.

Acabara de sonhar com o filho que não chegara a aconchegar ao colo. No sonho o lindo menininho, contara à ela, o porque a gravidez tão desejada, não chegara a termo.
Ele assim lhe dissera: "Não era para ser. Tínhamos uma dívida de longa data a resgatar, eu e a senhora. O aborto espontâneo, eu sei, doeu muito mais em sua alma do que em seu corpo. Porém, era uma experiência necessária ao nosso aprendizado. Sei que a senhora sente muito, assim como eu, por não termos podido compartilhar dessa existência juntos, eu sinto as lágrimas que a senhora derrama, quando está sozinha, e lembra do filho que não chegou a ter. Mas, confie em mim, mãe, nós precisávamos viver essa dor, essa ausência, que mesmo sem a senhora confessar em voz alta, machuca seu coração, como nenhuma outra. Fique em paz, um dia, nem que demore séculos, teremos outra chance de estreitar nossos laços de amor, e com certeza estaremos mais prontos para vivenciar o reencontro. Eu a amo com todo meu ser."

Ao terminar de lembrar o sonho, Marta tem os olhos rasos de lágrimas, elas escorrem fartas, e chegam a umedecer a gola de sua camisola.
Na escuridão do quarto, ela pensa no quanto sofrera com o aborto.
Ela sabe, que seu querido marido, sofrera muito também, pois ele desejava muito ter aquele filho. Samuel era judeu, e estava feliz por ela ter escolhido dar ao filho, o mesmo nome dele.
Tentando conter os soluços de emoção, que o sonho tão real lhe despertara, Marta se ajeita no leito, para não acordar Samuel, e pensa que precisa controlar aquela forte emoção.
Nesse momento, a imagem do menino aparece ao pé de sua cama. Ele olha Marta, diretamente nos olhos, e sem nada dizer, confirma para ela, que aquele não foi somente um sonho, mas sim, um encontro entre duas almas que comungam uma fina sintonia, e que se amam desde há muito tempo, em seguida, lhe oferece o mais candido sorriso, e sua imagem se desvanece na escuridão do quarto.
Mais uma vez, o pranto corre livre pelo rosto de Marta, e lembra as águas cristalinas e doces de uma nascente. Uma alegria mesclada de saudade, faz com que uma prece de gratidão, brote do coração de Marta, pelo lindo presente que recebeu. Ao terminar a oração, ela tem a alma leve como o voo de uma ave, e a respiração serena como o canto de um rouxinol.

Antes de cair num sono tranquilo, Marta, ainda tem tempo de pensar, da alegria que Samuel irá sentir ao saber daquele sonho.



(Imagem: Lenapena)
Lenapena
Enviado por Lenapena em 06/06/2015
Reeditado em 06/06/2015
Código do texto: T5268184
Classificação de conteúdo: seguro