Os mentecaptos voltaram?
Um ano antes numa grande cidade, representantes das nações mais desenvolvidas da Terra reúnem-se secretamente em assembleia.
- Senhores esta “Organização” encontra-se reunida para definir o destino da Terra.
Pensávamos que as drogas ou o uso da internet com finalidades malévolas fossem os maiores inimigos da humanidade, porem nossos cientistas chegaram a uma outra conclusão.
Informam que o nosso maior inimigo, com um poder terrível de destruição são os “Mentecaptos”.
- “Mentecaptos”?
- Afinal de contas quem são esses “Mentecaptos” que nossos especialistas em defesa de estado nunca fizeram menção?
- O relatório diz que “Mentecapto” é um tipo de pessoa.
- Como assim? (Perguntam todos indignados)
- São dissimulados e nocivos a sociedade. Capazes de trair e roubar o povo sem o menor escrúpulo. Por serem tão calculistas e frios de sentimentos, se tornam “incorrigíveis”. Lesam a família, o povo, toda a nação, o mundo.
- São mais destrutivos que uma bomba atômica?
- Sim! O relatório diz que fazem toda a sua destruição na “surdina”, “na calada da noite”, traiçoeiramente. Possuem um constante sorriso no rosto, rápidos nas justificativas, poder de oratória e traiçoeiros.
Capazes de se utilizar de tudo para obter vantagens, privilégios, dinheiro e poder.
Depois de muito tempo, a triste conclusão foi que para salvar a muitos, os “Mentecaptos” teriam que ser sacrificados.
A guerra aos “Mentecaptos” foi determinada por unanimidade por todos os presentes daquela conflituosa assembleia.
A operação de extermínio a “peste” foi deflagrada.
Os serviços secretos desses países foram acionados e fizeram um levantamento mundial quanto a localização e identificação dos líderes dos “Mentecaptos”.
O mal teria que ser cortado na raiz e os ramos sucumbiriam sem vitalidade.
Como o assunto era prioridade extrema, um mês depois uma nova assembleia foi marcada e uma ampla relação de nomes apresentados.
Ficaram espantados com as estatísticas, pois a densidade demográfica de “Mentecaptos” em um certo país do terceiro mundo era inacreditável, por isso elegeram-no para sediar toda a operação de erradicação.
Todo o alto escalão de “Mentecaptos” da Terra foram convocados para um luxuoso evento no paradisíaco local sede. Todas as despesas de viagem, hospedagem e outras regalias mais, seriam pagas pelos patrocinadores, situação essa capaz de cevar com incrível facilidade qualquer “Mentecapto” nato.
No dia principal do evento, 25 de dezembro de 2015, estavam todos ali se aproveitando da esbórnia, quando foram convidados para um deslumbrante passeio aéreo turístico.
Teve queima de fogos e muitos discursos.
Houve até briga entre eles para pegar os melhores locais na janela, e não ficou um fora daquela imensa aeronave.
A aeronave partiu!
Os patrocinadores daquela bizarra “viagem de recreio”, membros da secreta organização sorriram aliviados, festejando o presente que estavam dando para a humanidade.
Eram os únicos que sabiam que aquela aeronave tinha uma autonomia e programação para deixar o planeta e nunca mais retornar. Que os “Mentecaptos” estavam sendo despachados para o além.
No dia 25 de dezembro do ano de 5.706 as mídias de todo o mundo anunciavam a aparição de um objeto voador muito estranho que surgiu de repente, fez um voo rasante e pousou.
Parecia uma aeronave muito antiga. Mas como poderia ainda estar voando?
Os órgãos públicos foram imediatamente acionados para identificar e proteger a população daquele estranho objeto.
Profissionais de diversas áreas foram requisitados para uma ação conjunta.
O Prof. Doutor Astrogildo Marcianus do Museu Central, ao ver aquele objeto ficou maravilhado com o seu estado de conservação. Uma verdadeira preciosidade.
De onde veio e o que fez pousar ali daquela maneira?
A aeronave já estava estacionada por várias horas e nada da porta se abrir.
A expectativa era grande para que aparecesse alguém.
Seria uma nave não tripulada que ficou vagando pelo universo?
Como ninguém dava sinal de vida, foi decidido a introdução de nano câmeras com fones no interior daquela estrutura. Não danificaria a nave e favoreceria as pesquisas quanto a sua procedência.
Verificaram que dentro da nave haviam seres vivos, com formas semelhantes as nossas e muito agitados.
O resultado foi pior, pois aqueles seres desconhecidos ficaram ainda mais agitados com as câmeras. Eles falavam um idioma totalmente desconhecido.
Solicitaram então a intervenção de um especialista em línguas, incluindo as mais primitivas, porém não houve êxito na comunicação.
Enviaram aqueles sons para o laboratório linguístico pois poderiam estar criptografados.
A conclusão dos especialistas foi espantosa. O que se ouvia era algo parecido com uma língua extinta a milhares de anos.
Aí foi que a curiosidade tomou imensas proporções.
Como podia aquilo?
Nos dias atuais não havia mais distinção de países e o idioma falado por todos na Terra é o Terres - versão 5.7, muito diferente dos idiomas da antiguidade.
Em função disso o Prof. Dr. Astrogildo resolveu utilizar um aparelho de comunicação simultânea. Na verdade, esse aparelho era muito antiquado, mas naquelas circunstâncias talvez fosse eficiente.
Já havia passado mais de doze horas que aquele estranho objeto apareceu e a falta de uma resolução por parte dos órgãos públicos era imperdoável.
O mundo atual vivia com respeito e dignidade uns para com os outros a ponto de não haver polícias e nem forças armadas.
A eficiência de todos os órgãos públicos era impecável. Tudo funcionava com admirável requinte de técnica e precisão.
Já conheciam grande parte do universo inclusive outras nações intergalácticas também evoluídas, porem algumas muito distantes ainda eram desconhecidas.
O professor falou as primeiras palavras e a máquina desempenhou a sua função muito bem.
- Olá, quem são vocês?
Após a terceira tentativa ouviu-se o retorno dos “visitantes”.
- Onde estamos? Quem são vocês?
O professor e todos que acompanhavam o fato embora ainda indignados, sentiram um grande alívio.
As autoridades solicitaram que saíssem sem preocupação e informaram que eles seriam submetidos a um processo de descontaminação.
O que mais chamou a atenção foram as suas roupas de voo tão esquisitas e inapropriadas.
Foram colocados confortavelmente em um amplo recinto, isolados por paredes de vidro, diante de uma plateia de cientistas e membros do alto escalão do governo.
Em cada visitante foi colocado um nano chip subcutâneo, para fazer automaticamente a tradução.
Os “viajantes” estavam muito irritados com aqueles procedimentos todos e ao mesmo tempo encantados com o luxo e modernidade tecnológica que viam, porém não entendiam nada.
Antes que o Prof. Dr. Astrogildo, agora designado pelo governo para tomar a frente desse caso, fizesse a primeira pergunta, um dos interrogados irritado proferiu:
- Os senhores sabem com quem estão tratando?
- Não! Justamente por esse motivo queremos saber quem são vocês e o que vieram fazer aqui?
- Ora, quem somos nós! Vocês não nos conhecem? Somos pessoas muito ilustres. Representantes da alta esfera política e econômica. E vocês quem são?
- Meu nome é Astrogildo e estou aqui para ajuda-los em tudo que for possível.
- Astrogildo? Astrogildo de quê, não tem sobrenome? Trabalha em que Ministério?
- Sou funcionário do Museu Central.
Em gargalhadas os “visitantes” cortaram a fala do Dr. Astrogildo dizendo:
- A questão aqui não é assunto de museu e sim para chefes de Estado. Coloque-nos imediatamente em contato com os seus superiores, ou melhor informe a presidência a respeito de nossa aterrisagem. Fiquem vocês sabendo que temos imunidade parlamentar.
- Por que pousaram aqui?
- Estamos chegando de um voo.
- Quando vocês decolaram?
- Saímos ontem, 25 de dezembro de 2015 e estamos num passeio turístico.
O Prof. Dr. Astrogildo percebeu que estavam numa outra época, mas achou prudente que até que obtivessem informações mais concisas a respeito daquelas pessoas, isso não fosse revelado aos “viajantes”.
- Liguem para seus superiores e tudo será esclarecido. Por sermos pessoas públicas e notórias exigimos que esse evento seja tratado por baixo dos panos. Sabem como é a imprensa para canetar incidentes? Além do mais não queremos estar associados a constrangimentos vexatórios. Isso repercute mal nas urnas.
A chiadeira era intensa por parte dos entrevistados.
Ameaçavam o Dr. Astrogildo e ostentavam o poder de seus cargos, prestígios e condições econômicas.
Com voz tranquila e serena disse o Dr. Astrogildo.
- Em breve estaremos aqui com informações mais precisas. Enquanto isso os senhores ficarão hospedados aqui com o melhor conforto e atendimento que possamos oferecer, ainda dentro da necessária quarentena.
Agradecemos a atenção de todos.
Nos dias que se seguiram o Prof. Astrogildo e demais membros participantes da equipe observaram as atitudes dos visitantes na quarentena. Percebiam tratar-se de pessoas dotadas de incrível capacidade de desrespeito inclusive entre eles mesmos, arrogância e dissimulação, situações estas tão contrárias e abominadas nos dias atuais.
A equipe mergulhou num profundo estudo a respeito dos acontecimentos na época que informaram terem decolados, ou seja, 25 de dezembro de 2015.
As informações astrofísicas mostraram que nesse dia houve uma forte precipitação de energia cósmica em grande parte da Via Láctea atingindo a Terra.
Esse fenômeno, desconhecido naquela época, fez com que a aeronave entrasse num vácuo de tempo. Por esse motivo estavam tão desorientados, não sabendo que ficaram congelados no tempo e espaço por tantos anos, sem envelhecerem.
Tudo isso ficou bem elaborado para a equipe do Dr. Astrogildo, porém ainda necessitavam saber como naquela época, numa pequena viagem de passeio turístico a aeronave acabou entrando na órbita da Terra?
Enquanto as pesquisas iam avançando, no Centro de Confinamento os visitantes em quarentena estavam cada vez mais impossíveis.
Pesquisando diversas informações daquela primitiva história foi que o Dr. Astrogildo ficou completamente transtornado a ponto de exclamar: “os Mentecaptos voltaram”?
Leu a respeito daquela Organização Secreta e de seu plano de banir aquele tipo de gentinha do mundo, enviando-as para um passeio turístico para a “Terra dos Confins do Judas” que ficou conhecido como: “Extermínio aos Mentecaptos”.
A equipe do Prof. Dr. Astrogildo concluiu que “Os Mentecaptos” eram exatamente aquelas pessoas que estavam ali em quarentena e que ressurgiram do vácuo 3691 anos depois.
Fizeram valer aquele, também milenar, ditado que “lixo quando jogado no mar retorna para praia”.
O Dr. Astrogildo e toda sua equipe ficaram consternados com a situação daquelas pessoas, pelo fato de terem sido ludibriadas em função de suas ganâncias e sem possibilidade alguma de sobrevivência foram despachadas para o infinito. Não achavam justa uma atitude daquela.
Despacha-los novamente para o espaço adentro seria repetir aquela barbárie feita no passado e isso eles não fariam em hipótese alguma.
Convocaram uma equipe de especialistas da área da saúde para avaliarem as condições psíquicas e comportamentais daquelas vítimas e assim possibilitarem a necessária reintegração ao convívio social daqueles dias atuais.
Concluíram que seria uma tarefa bastante difícil, pois o modo de viver e pensar eram muito diferentes.
Os rotulados “Mentecaptos” possuíam uma incrível capacidade de distorcer a realidade, de se convencerem de que o mal era um grande bem e se sentiam felizes nessa sofrível condição.
Assim não poderiam ser liberados da quarentena sem um tratamento, ou todos seriam vítimas dessa situação.
Mesmo diante de todas essas dificuldades resolveram, por uma questão de respeito humano, princípios de profissionalismo e cidadania aceitarem o desafio de trata-los.
Agora, com tudo devidamente avaliado e esclarecido, o Prof. Dr. Astrogildo resolveu colocar aqueles hospedes diante da verdade dos fatos.
Mal o professor deu início as explicações, já ouviu uma vaia geral por parte dos ditos “Mentecaptos”.
Os demais integrantes da equipe também não obtiveram nenhum êxito.
Ficaram intransigentes na postura de que estavam sendo enganados. Xingavam, exigiam obediência a seus cargos e posições, rejeitavam qualquer atitude de ajuda que pudesse ser contrária a condição de recoloca-los novamente em voo.
Sentiam-se vítimas de um complô para impedi-los de gozar suas nababescas e merecidas férias.
O Dr. Astrogildo pediu que aguardassem por mais algum tempo, porém na calada da noite, os “Mentecaptos” fizeram vingar uma fuga extraordinária e riram muito por terem passado a perna no pessoal.
Só pensavam agora em dar-lhes lá do alto uma banana coletiva, exatamente como fizeram na primeira decolagem.
Apoderando-se da aeronave, trancaram a porta e antes que alguém pudesse fazer algo para salva-los do infortúnio, meteram o dedão no botão de start.
A nave disparou desgovernada pelo chão e depois de muito rebolado foi ganhando altitude e entrou novamente na rota programada ou seja: ir de vez para os confins do universo, onde na realidade nem o louco do Judas se meteria ir.
Dr. Astrogildo, e sua equipe não tiveram tempo e nem possibilidade de fazer algo para salva-los daquela triste situação. Temiam que os “Mentecaptos” não tivessem uma nova possibilidade de sobreviverem, retornarem e se reabilitarem.
Tecnicamente as probabilidades são de que nunca mais retornem.
Os “Mentecaptos” foram-se para sempre, ou será que não? Eis a questão!