MEU ANJO - PARTE 2
Realmente havia muita diferença entre o ambiente e o que me era familiar. Embora reconhecesse e estivesse convicto de que a região fosse a mesma, era como se se mostrasse ali em época diferente. Reconhecia isto a começar pela casa onde nasci. A forma, a estrutura e o tamanho eram os mesmos; porém, era nova em folha, como se recém construída. A madeira brilhava em todo seu contorno. O teto, reforçado por grossas lianas, envoltas em troncos perfilados, parecia acabado de ser construído. Não havia, notoriamente, aqueles vestígios de desgaste causados pela passagem inexorável do tempo, a exceção de um ou outro ninho de pássaro nas reentrâncias do meu telhado. Se traços de velhice havia eram o escurecimento de algum tronco - embora pudesse isto resultar da espécie de árvore que fora utilizada - umas poucas lianas que haviam se soltado ou sinais claros de corrosão nos tijolos que envolviam a chaminé.
Um aspecto que sempre caracterizou minha região é a frequência de chuvas e ventanias. Quanto a estas últimas, não são poucos os estragos causados por elas. Sempre prevendo desastres e contratempos tudo precisa ser construído ou elaborado em função desse fenômeno. As próprias árvores mais frágeis, mesmo quando adultas, precisam ser amarradas e assim privar-nos do espetáculo de vê-las se despencarem pela força do vento e voarem pelos ares. Passei parte da minha juventude auxiliando papai em sua atividade de construtor de carroças para aluguel e venda a outros proprietários de fazendas.
Muitas dessas carroças já iam com animais, pois a criação de papai alcançara uma fase próspera por volta dos meus onze anos de idade. As carroças eram despachadas semanalmente enquanto aguardavam à frente da casa tendo, atrelados a elas, os animais. Precisávamos contar com a ajuda Divina e com a sorte para não ter um trabalho de meses prejudicado por uma ou duas horas de tempestades com ventanias; se estas ocorriam seriam enormes os prejuízos, mas isto não deixava de acontecer. Os cavalos eram os que mais sofriam. Seus relinches lamuriosos alcançavam o infinito, enquanto suas patas iam, aos poucos, quase que enterrando-se ao solo, pois eram estas as únicas formas de alertar-nos quanto ao perigo iminente de se debandarem; tínhamos que controlá-los de algum modo antes que o fizessem.
Comecei a ser vítima de inexplicável sensação quando, conduzido pela mão de meu anjo e envolvido por seu olhar terno, certifiquei-me do que estava acontecendo. As diferenças tornavam-se agora tão nítidas que não me deixaram a mínima dúvida. Minha visão, que antes concentrava-se no cenário inesquecível do que sempre fora meu, a alegria de poder novamente contatar minha família dissiparam até mesmo a nuvem do medo e da ansiedade de querer saber o que ocorrera comigo. Ao visualizar o todo do cenário que me envolvia constatei uma realidade - se é que posso utilizar-me dessa expressão - inacreditável e assustadora. Onde estavam as casas que nos avizinhavam? E as inúmeras trilhas que conduziam a diversos caminhos? Sequer vejo mais esses caminhos! Minha casa parece perdida na imensidão da floresta. Ela está à beira do lago e só existe uma saída por terra que fica atrás da casa. As águas do lago parece terem inundado todas as casas, todo o pequeno comércio. Mas, agora entendo que não é bem isto o que ocorrera e, o olhar do meu anjo, envolto em cativante sorriso, entende e testemunha o meu despertar. Súbito, numa fração de segundo, encontrei-me mais uma vez sentado à beira do lago, com meu anjo a meu lado.
- Aquele então é meu passado? - perguntei e ele me respondeu;
- Isso mesmo. Você deve se lembrar agora. Antes de aterrarem parte do lago e construírem o que existe hoje, ou seja, todas as outras casas, o comércio, as vilas de pescadores e tudo que é tão familiar a você, o que havia é o que acabou de ver.
- Sim; lembro-me com perfeição; passei em memória toda minha infância e adolescência. Mas, quem é você? O que está acontecendo comigo?
- Sou Teli, da galáxia de - disse isto apontando para o firmamento na direção sul. Com a aproximação da noite, algumas estrelas já se mostravam visíveis. A lua cheia perfazia um clarão luminoso que se refletia nas águas do lago, no rosto angelical de Teli e em tudo ao redor. A floresta perdia-se na escuridão, mas algumas árvores recebiam com maior intensidade esta luminosidade lunar. Algumas folhas brilhavam e deixavam coar entre si pequenas nesgas de luz. Era possível distinguir alguns pequenos pássaros saltitando entre os galhos, procurando se acomodar e o vulto de algum morcego fazendo ronda nos ninhos.
- A distância seria incalculável se baseada em suas proporções humanas, mas diria que é ali - continuou apontando. - São oito milhões de anos luz em medidas terrestres, mas, como disse, vai além de sua imaginação. Isto não representa o mínimo problema para os nossos habitantes, pois viajamos na velocidade do pensamento; tempo e distância para nós não existem na realidade.
- E estas asas? Tenho você como um anjo vindo dos céus.
- Isto não deixa de fazer sentido; ao menos para vocês, humanos. Adaptei minha imagem as suas crenças em seres espirituais, espíritos desencarnados, protetores, coisas do gênero.
Teli mostrava-se para mim como a criatura mais linda, doce e angelical que já vira em toda minha vida. Suas feições eram um conjunto de ternura, a pela era a de uma criança, embora possuísse a vivacidade de uma mulher. O contorno dos olhos e a expressão no olhar possuíam uma característica, um encanto que fazem das palavras um recurso vão para explicar o seu efeito. O que posso dizer é que nele depositei toda minha confiança, pois me inebriava a alma e me enchia de paz e de felicidade a sua contemplação.
- E o que está acontecendo comigo? - perguntei novamente - acaso morri ou é apenas um sonho?
- Não, você não morreu, mas está sonhando. Mas, não é apenas um sonho como diz, ou seja, não é um sonho como outro qualquer. Venha, vou mostrar a você o futuro.