743-O CAVALEIRO FANTASMA DE SEDONA-
— Não é lenda, não, Ele existe mesmo! O Cavaleiro Fantasma aparece toda noite de lua cheia.
Meu amigo John Long Silver era entendido em histórias do velho oeste. Por isso estávamos ali, conversando e bebericando tequila. Eu o escutava interessado, pois ouvir histórias e causos é meu passatempo predileto.
— Então esta noite é a noite dele aparecer.
Por força do hábito peguei a câmera e comecei a disparar, filmando a praça com algumas árvores, intensamente luminosa ao sol do entardecer.
— É, mas não adianta levar máquina fotográfica nem filmadora, Já tentaram pegar uma imagem do Cavaleiro Fantasma, mas ele simplesmente não aparece em fotos ou filmes.
— Bem, só de ver fico satisfeito.
Estávamos sentados próximo à janela do bar em Sedona, pequena cidade situada no centro do estado de Arizona. Fica no fundo de uma formação que lembra o Grand Canyon. As formações em rocha vermelha, esculpidas ao longo do tempo pelo vento e pelas águas, apresentam-se como esculturas: são agulhas, morretes de topo mais ou menos planos (“mesas"), pequenos canyons por onde correm regatos entre uma vegetação que se veste das cores mais variadas, predominando o laranja e o vermelho. Imagino uma poderosa entidade cultuada pelos peles-vermelhas, tingindo de fortes cores todos os sítios da região seca e quente.
J.L. (como gostava de ser chamado, pronunciando-se dgi-él) desfiava a história e as lendas da região, enfatizando aquelas misteriosas ou de difícil comprovação. Casos nos quais se acreditava ou não, dependendo do ouvinte.
Sem que combinássemos, houve um acordo tácito em aguardar o aparecimento da lua cheia para irmos presenciar o aparecimento do Cavaleiro Fantasma. E enquanto esperávamos, a garrafa de “Cuervo” foi sendo consumida em pequenos e traiçoeiros goles, entremeadas de “iscas de cascabeles” —(1).
— O Cavaleiro Fantasma foi um minerador ou garimpeiro que andou por estas bandas, à procura de ouro. Era uma região bravia, dominada pelos índios Coconinos, pacíficos, mas arredios ao contato com os brancos. A região não era de garimpo, mas o lendário cavaleiro teimava em andar pelas terras dos Coconinos, à procura de ouro. Os peles-vermelhas não gostavam das incursões do branco, o que não impediu que ele gostasse de Yavapah, uma moça daquela tribo. Ela correspondeu aos sentimentos do garimpeiro e fugiu com ele. O homem gostava muito de beber, e não passou muito tempo, começou a maltratar Yavapah, por conta do vício pela tequila. . Arrependida, ela voltou para a tribo, onde foi aceita com compreensão. Não sem antes lançar uma maldição sobre o amante beberrão:
— Você vai morrer sem encontrar ouro e seus ossos vão secar no deserto.
Embrutecido bela bebida e louco pela perda da índia, o garimpeiro começou a cavalgar desvairadamente pela região, cheia, como você viu, de paredões, profundos canyons e outras armadilhas perigosas até mesmo para um experimentado cavaleiro. O cumprimento da maldição lançada por Yavapah não tardou. O garimpeiro despencou de uma encosta, um paredão de mais de trinta metros e morreu.
Após uma pausa para aumentar o suspense da história, J.L prosseguiu:
—O garimpeiro morreu, mas sua alma danada não foi aceita nem pelo diabo. Ficou por estas bandas, assombrando os índios e quem quer que por aqui passe. Mas só em noite de lua cheia.
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Lá pelas oito, o luar podia ser notado até mesmo no centro da cidade, permeando a iluminação elétrica.
— Vamos! — J.L levantou-se de supetão e determinação, dirigindo-se para o jipe e deixando para mim a conta do bar.
Paguei e sai em seguida. Apesar da quantidade de tequila que havia tomado, J.L. caminhava com firmeza. Confesso que eu sentia uma zoada e para falar a verdade, estava mais disposto a um cochilo.
Dirigindo, J.L. entrou pelo Parque Estadual Red Rock
— Vamos até o início da trilha de Cathedral Rock. É ali que o fantasma aparece com mais frequência.
Descemos do jipe e fomos subindo, rumo ao topo. A trilha era estreita e íngreme, só podia ser feita a pé, e serpenteava pelo cume de uma elevação. De ambos os lados, o terreno despencava, não sendo possível ver onde terminava.
— São apenas cem metros, mas a subida é íngreme. — Avisou J.L.
Por trás do perfil das elevações e das fendas a lua se elevava num céu sem nuvens, profundo e pontilhado de estrelas. Quando estávamos à meio da subida, levei um escorregão e por pouco não caí numa das perigosas ravinas, ou canyons laterais. Por alguns momentos, fiquei estendido no chão, olhando assustado para o fundo da valada, escura, parecendo um precipício sem fim. .
Foi então que vi! JURO QUE VI!
No céu limpo até momentos antes, nuvens apareceram. E por entre as nuvens, um cavaleiro galopando. O cavalo corria com um louco, mas parecia não sair do lugar. As nuvens não eram nuvens, mas a poeira levantada pelas patas do fantástico cavalo. O cavaleiro era magro, suas roupas pendiam frouxas, desgastadas e o chapéu de aba larga não deixava ver o rosto.
— Iáááááá´...ripe....iúúúú — O berro do cavaleiro era estrondoso, insuportável. Agitava as rédeas com a mão esquerda enquanto se firmava na sela com a mão direita. Por entre a poeira, pude ver faíscas causadas pelas patas ferradas do cavalo sobre as pedras do caminho.
De repente, quando o cavaleiro levantou a cabeça. pude ver o que estava escondido pelo chapéu: uma caveira, os ossos brancos iluminados diretamente pela luz da lua.
Voltei à realidade quando J.L. pegou minha mão, segurando-a com força:
— O senhor se machucou?
Olhei para ele, e de novo para o céu, onde não havia uma estria de nuvem ou sequer um brilho das faíscas das ferraduras ou sombra do Cavaleiro Fantasma. A lua, levando-se sobre a parte mais alta de Cathedral Rock, iluminava esplendorosamente a vastidão dos monumentos do Rock Park.
— Você viu? — Perguntei-lhe.
— Claro. Igualzinho a qualquer outra noite de lua cheia. O Cavaleiro Fantasma jamais deixa de vir.
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[1] Petisco mexicano: pedaços pequenos de carne de cobra cascavel, fritos e temperados com muita pimenta.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2012
Conto # 743 da Série 1.OOO HISTÓRIAS