A Luz Vermelha
Milton Pires
Vai espantar todos os peixes – pensou o guri puxando com raiva o caniço com a linha de pescar. A barca que ligava a cidade onde morava com o município de General Câmara, do outro lado do rio, tinha acabado de ligar o motor. Daquela vez partia sem carro nenhum a transportar.
Outono de 1978. Naquela hora do dia em que já não é mais tarde mas a noite ainda não chegou, o guri enrolava rapidamente a linha no pedaço de taquara que, junto com o pote de minhocas, formava todo seu “equipamento” de pescador. Não tinha “pegado” nada, estava com frio e, ao mesmo tempo, com medo de voltar para casa e apanhar do pai pelo atraso. Um nevoeiro, que o guri como todo gaúcho chamava de “cerração”, começava a se formar nessa hora do dia em que parece que tudo aquilo que está vivo ignora que vai morrer e tudo aquilo que está morto não aceita que deve voltar.
O guri afastou-se do barranco que terminava no rio, deixou o pote de minhocas que havia trazido como isca lá mesmo e começou, devagar, a subir a lomba que terminava na rua da sua casa. Viu passar a carroça do leiteiro e deu passagem, no caminho de chão batido, a uma antiga lambreta que, naquela hora, já vinha com o farol aceso.
Agora já caminhava com pressa. A temperatura baixava rapidamente naquele dia de final de maio. Escutando o som da lambreta diminuir até quase desaparecer e, sem saber por que, resolveu olhar pra trás. Viu uma pequena luz vermelha e pensou – é a luz traseira da lambreta se afastando. Apressou o passo. Agora, além do frio, sentia também fome e pensava nas “torradas” - chamadas no resto do Brasil de “misto quente” - que a mãe tinha prometido “fazer de janta” naquela noite. Antes de dobrar uma esquina que lhe serviria de atalho, olhou outra vez em direção ao rio e ao caminho que tinha percorrido na rua que vinha dele. A luz vermelha continuava lá, não havia som de nenhum motor e simplesmente parecia manter do guri a mesma distância de antes.
Dessa vez o menino se assustou. Uma sensação muito ruim, algo que não lhe parecia ser desse mundo tinha na pequena luz vermelha a sua manifestação. Tornou a modificar o caminho mais uma vez e a olhar pra trás de novo: a luz continuava lá. Parada. Imóvel. Guardando exatamente a mesma distância de sempre do guri que, agora, já estava definitivamente apavorado. Foi com alívio que, terminando de subir a lomba e dobrando na entrada da Rua Marechal Deodoro onde ficava a velha casa alugada pelos pais, o guri, antes de abrir o portão, virou-se uma última vez para olhar a luz vermelha. Dessa vez ela não estava mais lá. O guri jamais soube o que era aquilo, jamais contou para os pais e jamais esqueceu...
À memória de Abel...
Porto Alegre, 19 de março de 2015.