A Sombra

Eu caminho com minha sombra. A minha sombra também caminha comigo. Juntos, eu e ela, somos um. Poderia falar algumas coisas a respeito de mim, mas acho melhor não, pois minha sombra não gosta que eu fique por aí espalhando coisas ao nosso respeito. Sabe, ela é bem reservada. Seu temperamento é único. Às vezes nós nos desentendemos por isso. Mas no fundo eu sei que ela se preocupa demais conosco.

Durante o dia ela está visível a olho nu, sempre ao meu lado. Sussurrando coisas nos meus ouvidos. Coisas do tipo que não posso contar. Às vezes ela é muito má. Outras, ela é muito calada. Fica observando todos os que estão a nossa volta. Suas conversas, seus gestos, seus medos, suas qualidades e seus defeitos. Ela analisa tudo! E depois ela filtra detalhes que eu normalmente não percebo. Novamente, ela sussurra coisas nos meus ouvidos. São conselhos. Conselhos que eu sigo, mesmo quando acho melhor seguir por outro caminho. Já me dei muito mal na vida por ser tolo. Minha sombra sabe disso. Ela sempre diz:

— “eu te avisei”.

Durante a noite ela está em toda parte. Sinto-me mais protegido e, às vezes, com medo. Ouvir seus sussurros vindos da escuridão pode ser muito amedrontador. Confesso que minha sombra durante a noite é muito pior. Pois quando anoitece ela gosta de conversar mais comigo. Temos extensos diálogos. Profundos. Profanos. Ela é muito sagaz e atenta a tudo o que está a nossa volta.

E eu sou tão sozinho, sem amigos, sem quem goste de mim. Quando vou dormir, principalmente nos dias chuvosos e frios, a minha sombra me abraça e me envolve nos seus braços de treva, me encobre em seu manto de escuridão. Mas ainda assim eu sinto frio, reclamo.

— “Ninguém pode ter tudo!” — sussurra ela, replicando.

Certa vez eu pensei que ela estava me manipulando. Nem sei por que eu pensei isso. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém; minha sombra não gosta de ninguém mesmo, exceto eu, disse ela certa vez. E curiosamente eu lhe perguntei o porquê.

— “Tudo aquilo que não podemos nos desvencilhar, melhor seria nos acostumarmos” — respondeu ela, insatisfeita.

Minha sombra sussurra desejos de morte. Certa vez, na escola, em um dia qualquer, ela insistia que eu empurrasse um dos idiotas da classe escada a baixo.

— “Vai! Empurra! Empurra!”.

Mas eu tive medo. Contive-me. Nada fiz.

— “Covarde!” — sussurrou ela.

Fiquei com isso na cabeça depois. Por que será que ela queria empurrar aquele garoto? Só por ele ser um idiota? “Coitado!”, pensei.

Minha mãe percebeu que eu estava muito só. Isolado. Foi quando a ouvi conversando com o meu pai sobre mim. Eles diziam que eu ando muito introspectivo, antissocial, e que me viam conversando sozinho; o que para eles pareceu algo estranho. Eu não estava conversando sozinho. Ora, isso seria loucura! Eu estava tentando convencer a minha sombra a poupar os meus pais.

Minha sombra quer matá-los! Só porque eles me levaram no terapeuta. Minha sombra também quer matar o meu terapeuta. Ela o detesta. Pobre dr. Jung. Que fez ele de mal? Confesso que somos muito diferentes, eu, minha sombra e todas as pessoas. Todos têm seus segredos obscuros. Não seria diferente conosco. Alguns apenas conjecturam seus segredos obscuros. Outros têm sua sombra para realizá-los.