A Benzedeira.
Milton Pires
Não sei mais o que fazer com esse guri - pensou Dona Dalma e seus olhos se encheram de lágrimas. É como se ele não conseguisse me escutar...parece que eu não estou aqui. Vive brigando com os irmãos e no colégio não consegue se concentrar. Vou levá-lo a uma benzedeira – decidiu a ex-professora naquela tarde gelada de 76 numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul.
As últimas palavras da mãe o pequeno Gilson escutou. O desespero tomou conta do menino. Ser levado a uma “benzedeira” - pensou – Algo de muito ruim deve ter tomado conta de mim.
Na manhã seguinte, mãe e filho desceram a pequena rua sem calçamento que levava em direção ao rio que dava nome à cidade. Procuravam a casa de Dona Francisca, ou simplesmente Dona Xica como era conhecida. Sabiam que era de madeira e pintada de verde por fora.
Encontraram. Não havia muros nem cães no pátio. A porta da frente estava aberta e numa salinha muito humilde mas limpa três gatos pretos observavam a velha numa cadeira de balanço. Um cheiro de feijão tomava conta do ar.
Dona Xica – disse a mãe em desespero – a senhora precisa me ajudar com essa criança. Não sei mais o que fazer com ele...
Posso dormir, mãe? - interrompeu o pequeno Gilson encolhendo-se no canto do sofá vermelho que tomava quase toda a pequena peça.
Pode, mas não me interrompa – respondeu Dona Dalma. Então, Dona Xica, como eu estava lhe dizendo...
Esse quis construir navios, mas Medicina vai ser sua profissão - disse a benzedeira pegando um dos gatos no colo. Mesmo assim sua vida vai ser de sofrimento..
Sofrimento?? - perguntou a mãe – Mas por que, meu Deus?
Ele vai se atrapalhar com as doenças do corpo, da mente e do espírito. Pensará que cada uma delas tem uma causa diferente..
E não tem?? - perguntou a ex-professora lembrando que havia se casado com um médico e que ele era o pai de Gilson.
Não – respondeu a velha. Tudo é uma coisa só. Solidão é a causa única.
Solidão? Como assim ? - insistiu Dalma – cada vez mais confusa.
Sim, solidão – disse Dona Xica. Eu, nessa casa, sozinha espero a morte. Seu filho sofre porque perdeu a mãe. E você, vive entre dois mundos não percebendo que já morreu.
A imagem de Dona Dalma foi sumindo, sumindo...até desaparecer. Só a velha benzedeira e o menino estavam ali. Gilson dormia. Seus lábios se mexiam. De repente ele se acordou, olhou para velha que continuava com o gato no colo e perguntou: Disse tudo que eu pedi?
Disse – respondeu a benzedeira. Já podes ir embora. Teu sofrimento acabou...
para Eva...implorando perdão..
Porto Alegre, 2 de março de 2015.