Absurdos ?

De tão velha, enrugada, frágil e pequena ela parecia ter saído dos contos de Garcia Márquez. Não era da família Buendia mas, no resto, tinha tudo a ver. Estava quieta quando a encontrei. Sentada no banco corrido da estação de comboios, apagada como uma sombra, misturada ao canto da parede e aos restos de papel dos cartazes, a senhora disse-me que viera esperar o amor. Muitos já lhe haviam dito que, para isso, era tarde mas ela contestou dizendo que, quem acaba a esperar, não sente o fim. Olhei para o relógio. Faltava muito para eu seguir viagem e, assim, fiquei ainda um pouco a ouvi-la. Os sonhos, disse-me, são verdades paradas. Nem andam nem voam. Só quem adormece os tem. No mais, concluiu, faltam sempre asas aos meus anjos e nas minhas aventuras junto deles, quando tenho pés grudam-me ao chão e se, com sorte, tenho asas como eles, estão quebradas. Todas as minhas tentativas de voo são penoso rastejar de chão. Eles, os anjos, a pedirem-me que voe, o vento de feição e as asas sem colaborar. Penso que nunca poderia ir com eles por ter de esperar o amor. Antigamente era feliz. Não sabia de nada, não aspirava a nada, existia como uma pedra sorridente. Depois, aprendi coisas, cresci em vontades e verifiquei que, de tão sem graça, não tinha razão para rir. Ainda assim ria. Há hábitos perversos de que nunca nos livramos. Há risos que não pertencem à alegria. Um dia, perdida no nevoeiro da minha insegurança senti que cada passo poderia ser o último por estar à beira do abismo. Foi então que ele veio e me deu a mão. Disse-me que, aos vinte anos, todos são lindos e que eu era também. Gastei com ele a vida que tinha. Dei-lhe filhos que cresceram e desapareceram. Sei que não voltarão. Ele, porém vai voltar do lugar onde está. Marquei o encontro aqui em qualquer dia, entre as dez e as onze. Espero-o sempre tranquila e feliz. Aprendi que a ansiedade nunca apressa a realidade desejada antes a atrasa. Pronto, senhor. O amor hoje chegou consigo mas o meu companheiro ainda não veio. Talvez amanhã.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 24/02/2015
Reeditado em 24/02/2015
Código do texto: T5148375
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