A trepadeira do meu vizinho
A propósito de flores, apenas pensei vagamente em gerânios quando avaliei e percebi que a parede sem reboco ao lado da churrasqueira serviria para iniciar o meu jardim vertical. Fui dormir meio sem certeza de que teria sono pra toda a noite, mas, de qualquer forma, faltavam-me ideias para continuar acordado. Ao despertar na manhã seguinte, fui até o quintal colher algumas pitangas para um suco, mas fiquei paralisado diante da seguinte cena: uma trepadeira do quintal do meu vizinho que eu acho que, além de boçal, é azedo e pouco inteligente, antes mesmo que eu decidisse por qual espécie cultivar, já tinha atravessado o muro que nos separa e se alojado no meio do que seria o meu improvisado latifúndio suspenso de garrafas pet.
A rapidez com que aquela trepadeira ganhava terreno é que me deixou boquiaberto, pois, como tal, trepava sem parar. Chegou logo estabelecendo conexões, aqui e ali, grilando tudo que via pela frente, infiltrando suas raízes em terras alheias. Passado o meu estado de choque, tentei reagir, mas por mais que eu cavoucasse a minha modesta gleba no intuito de desconstituir aquela expropriação descabida, nada adiantava; parecia até que ela, a trepadeira, seguia orientações desse meu vizinho que, melhor agora observando, tem inclusive cara de quem atua em logística de Indústria de Multas de Trânsito, como descobridor de lugares para instalação de “radares secretos”.
Em pouco tempo algumas raízes daquela planta já tinham sitiado toda a área em volta da churrasqueira, o depósito de carvão, inclusive se moviam na direção do banheiro ao lado e, não demoraria muito, já ameaçavam progredir, afundando pelas frestas das pedras do piso em frente, supostamente, buscando caminhos subterrâneos pela tubulação da hidráulica para, covardemente, ressurgir na parte de dentro do vaso sanitário, atingindo por baixo quem o usasse. Eu, naturalmente.
Abri a porta do banheiro para me certificar de que aquele temor procederia e, dito e feito, lá já havia vários tentáculos do monstro saindo de dentro do vaso sanitário. Pensei logo em pedir socorro, ligar para o Exército, Marinha, Aeronáutica, autoridade municipal, algum órgão responsável... o Corpo de Bombeiros... o Corpo de Bombeiros! Pelo amor de Deus, venham à toda, pois a trepadeira do meu vizinho pulou o muro da minha casa e está invadindo a minha propriedade... olha, estou atracado com ela dentro do banheiro e a parasita já me rasgou toda a roupa; estou completamente nu e ela não para de trepar; tragam machados, facões, motosserra... Para que mesmo, senhor? ... Não, não adiantaria, eles não iriam acreditar; além do duplo sentido, isso soaria demasiado surreal.
Enquanto eu estava naquela peleja toda, inclusive, tentando manter a integridade de regiões recônditas, o meu vizinho, que eu acho que nunca leu o Lusíadas, não curte Woody Allen e que suspeito de que, diferente de mim, não prefira trabalhar no verão em oposição a trabalhar no inverno, apesar de ter uma casa melhor do que a minha, parece que justamente naquele momento estava começando a receber convidados para uma festa, pois ouvi vozes bastante animadas que vinham do deck da sua irritante e ofuscante piscina em forma de S. Em seguida, pude perceber que alguém começara a cantar uma música em ritmo de pagode, o que parecia ensandecer aquelas pessoas: Menininha bonitinha, gosto muito de você... – todos começaram a bater palmas freneticamente.
Eu já estava me sentindo desesperançado, pois com todo aquele alvoroço, dificilmente eu seria ouvido por alguém, além de que já estava prestes a ser sodomizado pelas raízes daquela planta. Resolvi, então, prestar atenção na letra daquela música; se, inevitavelmente, eu tivesse que ter a honra maculada por uma reles trepadeira, que fosse ouvindo música, não importava naquele momento qual tipo; que fosse com música: Menininha bonitinha, gosto muito de você... Agora, levanta a mãozinha, menininha... Sai do chão, menininha...
De repente, começou a chover tão forte lá fora, que acabei ficando todo molhado por conta da chuva de açoite que passava pelas frestas da porta do banheiro e me atingia em cheio da cabeça aos pés. A propósito, percebi que essa mesma chuva acelerou mais ainda o crescimento daquela planta, pois seus ramos aumentaram de diâmetro, afrouxando em torno do meu corpo. Dessa forma, consegui escapulir rapidamente daquele espaço ínfimo ainda enrolado em ramos gigantes e, ao mesmo tempo, como em um passe de mágica, parou de chover.
Do lado de fora do banheiro, talvez por causa de um enorme espelho d’água azul celeste logo à minha frente, que refletia diretamente em meus olhos a luminosidade do sol, fiquei alguns segundos sem nada ver, quando então alguém tocou em meu ombro; era o meu vizinho. Perguntou se eu estava me sentindo bem, porque, segundo ele, eu havia bebido pra caralho, me trancado no banheiro da sua casa e, depois de um bom tempo, estava ali, todo vomitado e enrolado em todos aqueles rolos de papel higiênico!