NO PRIMEIRO TEMPO A DELÍCIA... NO SEGUNDO A POLÍCIA.

NO PRIMEIRO TEMPO A DELÍCIA... NO SEGUNDO A POLÍCIA.

Eles eram compadres. Amigos íntimos de um na casa do outro. A prosa rolava solta. As comadres participavam do papo. Os assuntos eram variados desde a criação dos filhos até o rufião que não alcançava as ancas das éguas. A produção de queijo e uma cela para o mimoso - carneiro que o garoto adorava montar - também eram assuntos da conversação.

Depois de algum tempo o café com queijo fresco era servido. Aí... Aí... A ¨piscadela¨ do compadre para a comadre. O outro compadre fingia de ¨bobo da corte¨. Contava piadas, tocava viola, animava as visitas. Fingia de desentendido. E a comadre servia a broa feita no fogão a lenha.

Passado algumas horas as visitas se despediam, agradecendo a hospitalidade. E mais uma tarde de domingo era coroada pelos passarinhos em ¨reboliços¨na copa das árvores.

- Até mais compadre.

- Até.

- Até mais comadre. E a ¨piscadela¨.

E o tempo passava, anos depois de anos. E o compadre ¨bateu as botas...¨¨¨. ¨Foi pro saco¨. Ou melhor, para o caixão. O velório foi na imensa sala. A comadre enlutada, ao lado da cabeceira do caixão, chorava que dava dó. A outra comadre a consolava: ele está junto de Deus. Chora não. Confia no Senhor. E a outra: mas ele ainda tinha muito o que viver. Era um bom marido. E o compadre: lá isso é verdade comadre. Bom homem. Pena que morreu...

Enquanto isso os veloristas enchiam a cara, ¨bebendo o defunto¨. O compadre vivo não bebia. Aliás, foi até a cozinha conferir o fogão a lenha. Depois voltou à sala, e, de propósito ficou ao lado da enlutada, em silêncio. E a fofoca rolava entre os presentes.

Na manhã seguinte o enterro. O cortejo seguia com velas acesas e cantando: ¨segura na mão de Deus... Segura na mão de Deus, e, vai...¨. Chegados ao ¨campo santo¨ o enterro foi procedido. Muito choro e muita reza marcaram a despedida do corpo. O compadre e as comadres foram os últimos a deixarem a cova. A comadre chorava. A comadre a consolava, e, o compadre em silêncio.

E veio a missa de sétimo dia. O compadre, engravatado, sentou-se entre as duas comadres. A missa terminou. E foi servido o almoço. O café e o jantar. À meia-noite todos deixaram a casa da viúva. E o tempo passou. Numa noite o compadre foi a casa da comadre, sozinho. Trajava-se elegantemente. A visita durou menos de meia hora, o suficiente para se marcar um novo encontro. Seria no domingo à tardinha. E aconteceu...

A comadre que não dormia com os dois olhos fechados seguiu o marido. E os flagrou, os dois, aos beijos e abraços. A comadre não titubeou. Voltou rapidamente . Foi até o destacamento policial. Contou parte da sua história. Prontamente o cabo e dois soldados acompanharam a mulher traída. Deu Boletim de Ocorrência (BO). Quando o compadre chegou em casa sua mala estava feita. Ele arguiu:

- Que que é isso mulher?

- Seu filho de uma égua. Aqui você não mora mais. Pegue suas coisas e some das minhas vistas!

- Mas...

- Não tem mas nem menos. Suma.

- Mas está escuro.

- O problema é seu!

O compadre foi bater à porta da comadre. A porta foi aberta.

- O que houve?

Fui expulso de casa.

- Entra.

Deu divórcio consensual.

O sol nasceu. A lua ficou cheia. Os morcegos esvoaçavam. A chuva fina orvalhou as árvores.

E a vida continuou para todos os terráqueos!

F I M.