644-DINHEIRO EM CHAMAS / Alucinações de um Bancário
Sou inspetor especial do Banco B&B e como tal minha vida é cheia de surpresas. Por inspetor especial entenda-se que sou chamado para resolver casos muito peculiares, que ocorrem nas agências do banco espalhadas por todo o país. São mais de duas mil agências, e, podem crer, a cada dia está acontecendo algo de extraordinário em alguma delas.
Entre os casos mais pitorescos (eu diria engraçado, não fosse o desfecho dramático) ocorreu quando tive de viajar repentinamente para uma cidade média do interior do Paraná. Felizmente havia um aeroporto para aviões pequenos, e assim, cheguei ao local no dia seguinte à ocorrência do evento.
Para cada caso, tenho de abrir um Inquérito Interno, e sou obrigado a inquirir todas as testemunhas. Ao contrario da justiça comum, em que cada testemunha é inocente até prova em contrário, eu partia do principio de que todo mundo é culpado, até prova em contrário.
Assim, na inquirição, começo pelo depoimento do gerente, que, em geral, vem já com a versão completa da história e até com as suas conclusões, as quais não levo em consideração.
Cheguei à agência às dez horas do dia seguinte da ocorrência. O gerente me narrou o acontecido:
Na véspera, o tesoureiro da agência, Sr. Otamar Pedroso havia jogado álcool nos pacotes de dinheiro arranjados dentro do cofre e tocado fogo. O fato foi testemunhado por um continuo, que estava em sua mesa de trabalho, justamente ao lado da porta do cofre. Quando sentiu o cheiro de coisa queimada, correu para dentro do cofre, onde Pedroso assistia ao incêndio das notas. Rapaz de ação, imediatamente gritou e já começou a bater com um pequeno tapete, cobre os pacotes de notas incendiados.
Outros funcionários chegaram e logo o fogo estava debelado.
O tesoureiro, em estado de choque, balbuciava: Santos Dumont. Santos Dumont.
Estas informações foram confirmadas por todos os funcionários que se envolveram para apagar o fogo e conduzir Pedroso para fora do cofre. O gerente mandou fechar o cofre e chamar o Dr. Mario para examinar o tesoureiro, evidentemente fora de si.
— Aqui prá nós — confidenciou-me o gerente, após seu depoimento — isto me cheira a desfalque ou coisa parecida. Não mexi nos pacotes que pegaram fogo. Hoje começamos o expediente só com pacotes que estavam intatos, Mas não contei o dinheiro para ver se não estava faltando nada.
Tendo ouvido os depoimentos iniciais, visitei o tesoureiro no hospital, onde estava recolhido. Ouvi dele a seguinte história:
— Eu já estava chateado com o que vinha acontecendo todos os dias, quando entrava no cofre para tirar o dinheiro e fornecer aos caixas.
— O que acontecia? — perguntei-lhe.
— O Santos Dumont me cumprimentava toda vez que eu contava o dinheiro.
— Como? Que Santos Dumont?
— O que está nas notas de dez cruzeiros.
Fiquei chocado. O rapaz estava tendo alucinações com a figura do Pai da Aviação, estampada nas notas.
— Mas, ontem, porque você ateou fogo nas notas?
— Ontem, quando abri o cofre, no início do expediente, todos os Santos Dumonts que estavam na tesouraria me estenderam o chapéu, fizeram respeitosa reverência e disseram a uma só voz: — Bom dia, senhor tesoureiro!
Deixei o homem descansando. Conversei com o médico do hospital, que me informou:
— É um caso típico de estafa, cansaço. Uns seis meses de descanso, com tratamento orientado o trarão de volta à vida normal.
Compreendi tudo. As alucinações tinham sido demais para o pobre homem que, desesperado, jogou álcool nos pacotes de dinheiro e tacou fogo.
Por sorte, a forte amarração das notas em milheiros impediu que os pacotes fossem totalmente extintos pelo fogo. Apenas as beiradas estavam chamuscadas. Na presença do gerente, subgerente e o com a ajuda do tesoureiro auxiliar (que avia assumido o posto do chefe), fiz a contagem do dinheiro e estava tudo conforme os registros do livro-caixa. Nada faltava, conferi até o último centavo.
Terminei meu relatório recomendando um tratamento especial para o Pedroso, e que ele fosse aproveitado em outra função menos estafante. Soube mais tarde que lhe foi oferecido o cargo de Chefe do Cadastro, onde sua tarefa principal era conversar com os clientes, fazer entrevistas e coletar dados para as fichas de crédito, onde, segundo me consta, permanece até hoje, com bom desempenho.
Antes mesmo de assinar o meu relatório, o telefone tocou. Da Direção Geral me instruíram para ira à agência de Campo Grande, resolver um grave problema. Mas isto já é outra história.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 10 de janeiro de 2011-
Conto # 644 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS
Inspirado em nota (fato real) em Noticias da AFA-BH, dezembro 2010.