A AGULHA DO REAL NAS MÃOS DA FANTASIA

Curioso é o fato de me vir à mente, o pensamento na agulha. Isso mesmo, a agulha. Aquela que, apesar dos muitos milênios e de todas as transformações tecnológicas, ainda é utilizada em larga escala pela humanidade, nas mais diversificadas aplicações, tanto no âmbito Doméstico, quanto no industrial.

Várias são as versões sobre a origem da agulha, havendo quem atribui a sua criação à era paleolítica, quando se costuravam vestimentas feitas de peles de animais, utilizando-se dela, à época, feita de ossos.

Contam-se que a primeira agulha de ferro surgiu na idade média e que foi no século XVIII que ela teve a sua utilização ampliada, com a invenção da máquina de costura.

São muitas as suas aplicações, quer sejam por mãos humanas ou por máquinas e equipamentos. Com ela é possível fazer consertos em roupas, fabricar vestuários os mais diversos, fabricar calçados sociais e esportivos, bolas, colchões, estofados, aplicar injeções, alucinógenos, anestesias, fazer suturas e outras tantas possibilidades de uso.

Por outro ângulo a agulha representa algo inflexível, ferrenho, incômodo, que fura, que perfura, que invade, que ultrapassa, que fere, que é implacável e também algo com o que se alinhavam conchavos.

A agulha é rígida, fria, indiferente, não se dobra, não faz concessões e logo ao tocar no seu contato, já vai mostrando toda a sua propensão ofensiva.

Da realidade para a ficção, como entoado na música de Gilberto Gil intitulada “A linha e o linho”, é possível vislumbres irreais, fantasiosos, quando se depara com a estrofe: “...a agulha do real nas mãos da fantasia...”.

Neste contexto a agulha já não se afigura mais como nas descrições acima. Ela passa a ser apenas uma fonte de inspiração para que, utilizando-se de abstrações possam-se tecer cenários imaginários, fantasiosos.

Nas mãos da fantasia a agulha do real não fere, não agride, é maleável, faz o papel da linha e como esta, entranha-se nas tramas transfigurando-se e se confundindo com o linho ao qual se une. Passa um a se incorporar ao outro de modo que se tornam indistinguíveis, não havendo mais como afirmar que não sejam apenas um.

Nesta ficção não há a figura do ativo e do passivo, pois ambos se buscam ao mesmo tempo e no mesmo instante se encontram e se fundem. Não há traumas, não há invasão, não há rancor, não há o que querer, pois tudo o que se almejava agora já se consumou. É como se nada mais existisse, como se todo o universo estivesse presente naquele conteúdo e este fosse o próprio universo. Nenhum desejo, nenhuma vontade, nenhuma carência, nenhum querer.

Nas mãos da fantasia a agulha do real torna o sonho realidade, o imaginário ganha vida, não há tristeza, só alegria, tudo é possível, tudo é imaginariamente possível.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 21/01/2015
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