Uma estrela que brilha
Numa noite qualquer uma bela imagem surge. Surge assim sem querer e do mesmo jeito que aparece, desaparece. Olhos de luz, bonita, sorriso bonito, feito quando se sorri com a alma.
Mas, assim como um cometa em órbita, desaparece, sem nem mesmo deixar pegadas. Uma busca aqui, outra ali, uma tentativa de rever aquele cometa, esperando-o voltar à minha órbita. Não é cometa, mas sim estrela.
Passa-se o tempo... olho pro céu, não vejo sequer vestígios. Nenhuma marquinha, nenhuma nuvem no céu de minha existência.
Cai a ficha. Trata-se de encantando por uma pirralha sapeca. Sem lógica nem nexo. Mas impossível? Se era, não é mais, quebrei a barreira do irracional. Cara de malvado? Não, cara de privilegiado.
Logo mais, dias após os coloridos noturnos de virada de ano, como concluindo mais uma jornada na órbita estelar, eis que aparece, bela, radiante, cheia de luz e vida, uma doce emoção, cheia de vida e palavras carinhosas, quase sussurradas, deixando claro: “eu estou aqui, presente. Me tenha. Não no seu tempo, mas no meu. As peças do xadrez são minhas, o tabuleiro também”. Colocações abertas, mansas, sem dedo em riste, sem turbulências. Sim, o tabuleiro é seu, as regras são suas. Tudo bem, é encantador saber que quem tem o poder de decisão de ir e voltar, se foi, é porque tinha de ir. Se voltou, é porque teve vontade de voltar. E aquele jeito inequívoco de dizer, após uma conversa sobre um expresso, entre dengosa e moleca: “Para de judiar, vai.. Assim não vale”.
Pois é... Estou falando de uma estrela. Não uma estrela de cinema, de televisão, de passarela. Isso é modismo, é estrela cadente que sobe e logo cai. Estou falando de uma estrela no sentido maior. Que brilha por si só, que irradia calor e luz por onde passa. Estrela imortal, que não se apaga, a exemplo das três Marias, das estrelas que formam o Cruzeiro do Sul, que pelos séculos e séculos agem como bússola no céu para orientar a rota dos marinheiros eternos da vida.
Hoje me sinto um marinheiro. Marinheiro que navega os mares dos sonhos, do carinho, da cumplicidade, do bem querer. Um querer diferente, sem raízes, querer por querer. É um daqueles exemplos típicos de querer por querer, autêntico, desarmado e desinteressado, adulto e criança ao mesmo tempo.
Pois a estrela tem seu tempo, seu caminho de translação estrelar. Basta aprender isso. Pelo que se sabe, esse movimento é contínuo, incessante, num vai e volta. Vai, mas volta. Gosto disso, é uma forma de me sentir astro iluminado. Numa das voltas, ouço um sussurrar de “estou assim meio dodói do coração, meio carente, precisando de colo”. Ofereço o meu e ouço um eloquente “olha que eu aceito, heim”. Pois aceite. Aqui tem para oferecer. É de boa qualidade, verdadeiro, presente. Simples assim. Talvez com uma pitada de Channel nº 5.
Como evitar? Não se evita, não foge do que é bom, atraente e saudável, do que agrada aos olhos e ao olfato, combinado com a razão e a emoção. Seria insensatez, porque não dizer ingenuidade.
Noutra de suas voltas, ouço um manhoso “Estou cansada, muito cansada. – Cansada de quê? - Da academia”. Há... ela se cuida, numa forma de se assegurar perpetuidade, de manter luz e calor. É, eu não estava errado, estrela de luz.
Estrela que se mostra gente, firme e delicada, desejosa de ser apenas isso. Sentimentos valiosos, sabe o valor do verdadeiro ser. Valoriza isso. Dia feliz, dia melancólica no silêncio do travesseiro. Se souber conquista-la, o terá feito por inteiro, completamente. Se joga, embora se preserve. Não se atente contra isso. São valores fundamentais e perpétuos. Se dá, se entrega, toma para si.
A mim, resta a dura missão de não me apegar, não me tornar um menino em busca das estrelinhas fosforescentes grudadas propositadamente no teto, e que brilham ao apagar das luzes. Cabe-me perceber a sua existência e importância, mas que não possuo a escada suficientemente alta para tirá-la de lá e acomodá-la ao meu travesseio.
Mas, por sorte, a exemplo do Zé Oricó (em Rosinha minha canoa, um dos romances de José Mauro de Vasconcelos que deleitei quando adolescente), tenho o poder de falar com as estrelas, com as árvores e elas me respondem. Prova disso está em “A criança e a árvore”, por aí afora.
E esta estrela até me conta causos. Por vez, por iniciativa própria, ela se desgruda do teto e vem me fazer companhia, se deixa acariciar e acaricia, se permite exalar o doce perfume inequívoco das estrelas maiores. Num momento menina, em outros com os hormônios acelerados, numa profusão de cheiros e sabores desconcertantemente bons e embriagantes.
Fico pensando... Existe super-homem? Super-herói? E respondo triunfante: sim, sim existe. Sou a prova viva e inquestionável dessas existências. Eu sou um desses personagens imortais. Por quê? Simples conclusão: se posso conversar com uma estrela e se posso que ela desgrude de sua órbita e vem se aconchegar em mim, isso me faz invencível e imortal. Não nas telas ou nos quadrinhos, mas na vida, na sua plenitude maior. Sim, eu sou imortal.
E como fazer para manter assim? Sabedor acolhedor, sabedor amigo, sabedor cúmplice. Sabedor gente na essência maior. Penso ser isso. Penso ser isso. Estarei tentando, investindo, aperfeiçoando. E que em breve, um expresso seja compartilhado... Ou uma refrescante fatia de melancia seja compartilhada. Ou uma musica de ninar, num repouso merecido?