O ANJO

Aquele senhor distinto, como quase sempre fazia nos finais de tarde, sentou-se em um dos bancos da Praça do Ferreira, em frente ao Cine São Luiz, num desses dias calorentos de dezembros de finais de ano, exausto dos dias em vão percorridos, suspirando devagar, como se quisesse renovar o ar para o novo ano que já se avizinhava lentamente.

Percorria, sem nenhuma expectativa, o olhar sereno e displicente pela multidão que se atropelava no vai-e-vem das lojas e das liquidações natalinas. Aquilo tudo não lhe impressionava mais nem um pouco. Tantos dezembros já lhe tinham passado, tantos natais e anos novos, e não tinha visto nunca nenhum milagre, nenhuma mudança, nada de novo, a não ser um novo calendário com um dígito a mais.

Sentou-se ao seu lado, no mesmo banco, um homem simples, trazendo consigo um tabuleiro de cocadas cheirosas. O homem lhe sorriu generosamente como um presente de natal. Sorriu-lhe também só por cortesia, embora não tivesse o interesse de puxar conversa nem de comprar cocadas. Não obstante, ignorando-lhe totalmente o fragrante desinteresse de travar algum tipo de diálogo, o vendedor das cheirosas cocadas perguntou-lhe de supetão, sem mais nem menos:

- Pensando na sua irmã falecida recentemente?

O homem então virou-se bruscamente, pálido como um fantasma.

- Como você sabe?

O vendedor de cocadas olhava para ele serenamente.

- Ela está aqui ao seu lado, no banco. - disse, fazendo o assustado homem saltar de lado. Completamente mudo, o pobre homem fez menção de sair dali. O simpático vendedor de cocadas pôs a mão em seu ombro.

- Sossegue. Ela está dizendo que esse é o milagre de Natal que tanto o senhor queria ver, apesar de seu ceticismo incorrigível. Há muito mais coisas que ela gostaria de lhe contar, mas não é chegada a hora.

- Como você sabe que minha irmã morreu? - perguntou apreensivo.

Ao se virar para o vendedor de cocadas, percebeu que ele não estava mais sentado ao seu lado. Assustado, levantou-se e o procurou por toda a praça, perguntando por ele aqui e ali, mas ninguém o tinha visto. Sequer o conheciam.

Na Coluna da Hora o relógio badalou a Hora do Ângelus, anunciando o coral de meninos cantores, que se agrupavam nas janelas da sacada do prédio do antigo Excelsior Hotel para mais uma apresentação do Natal de Luz.

O homem ainda atônito, sequer percebeu que já era noite.

Na praça do Ferreira, no meio do formigueiro humano agitado de transeuntes, crianças e famílias inteiras que já se agrupavam na praça para ver as luzes de Natal, no mormaço infernal de dezembro, mal percebiam que havia um anjo entre eles que vendia cocadas cheirosas.