Pequenas histórias 62
Os dedos longos
Os dedos longos e finos com as unhas mal cortadas, deformando as pontas, lentamente pressionaram as teclas e escreveram:
- Ao atravessar a rua descobriu...
Depois da palavra “descobriu”, os dedos pararam suspensos no ar, a espera. O poeta olhou para os dedos imóveis. Tinha muita coisa para escrever. Só não conseguia fazer com que os dedos agissem ao seu comando. Já que não queriam lhe obedecer, foi até a cozinha e pegou o facão de cortar carne e decepou um dedo. Os outros com medo, resolveram obedecer às ordens do poeta. E por mais alguns tempos tudo correu normalmente. Até que um dia, repetiu-se a cena e mais um dedo foi decepado. Assim foi sucessivamente. Hoje, O Poeta de Dedos Decepados, como passou a ser chamado pela mídia inescrupulosa, vive trancafiado num quarto isolado no Sanatório Municipal, escrevendo com dedos abstratos palavras que só ele consegue ler.
pastorelli