Os Pássaros
Eu vi. Os pássaros gigantes andaram muito tempo às voltas sobre a eira deserta. Sempre que se aproximavam da terra abriam os bicos amarelos e soltavam gritos de arrepiar. Eram muitos mas só três deles disputavam a tarefa que era nítido que traziam para cumprir ali. Para lá da cerca de arame farpado, medrava um capim alto e a noite, pouco antes de chegar, incendiara as copas das árvores de cores fortes, de contraluz denso, quase negro. No escuro deixei de os ver mas sentia o vento quando se aproximavam e escutava, cada vez mais perto, o grasnar metálico, mistura de aflição e declaração de guerra. No mais, quem podia ver recolheu-se com o pavor do transcendente. Por isso, apenas eu pude ver Domec a estender-se sobre uma lona e, gradualmente, começar a cobrir a sua nudez com penas negras que nasciam do nada. Aos poucos, transformava-se em ave em tudo parecida às que continuavam a fazer-se sentir através do barulho das asas, do ruído dos bicos, da ventania que parecia levar tudo num colossal rodopio de coisas, espigas, utensílios de lavoura. Como por encanto as luzes do poste apagaram-se e, depois de uma apoteose de raios, trovões e ventania, caiu aquele silêncio de chumbo e a noite fechou ainda mais. Quando amanheceu o mundo estava na mesma, as pessoas voltaram aos campos, Domec abraçava uma meda de trigo como se tivesse, logo pela manhã, forças renovadas. - Sei que és um pássaro, Domec, disse-lhe. Vi-te ontem na eira, acrescentei. - Pois, menino, sou é um passarão, daqueles que parecem passarinhos e te arrancarão a língua se não parares de inventar essas fantasias. E eu calei-me cerrando os lábios e fingi não ver o remoinho de pequenas penas negras que ele tinha junto à orelha. Farei tudo para pensar que foi um sonho mas se ele voltar a voar como uma ave gigante, terá de levar-me com ele ou eu contarei a verdade na aldeia.