Rimas Idiotas em Tempos Reticentes

- Lavem minha alma, levem-me convosco. - disse.

"Para onde?" - escreveram-se as palavras, na tela do computador.

Adriano não soube responder as próprias palavras e as letras permaneceram ali, enfileiradas, esperando uma resposta. Ou melhor, desafiando Adriano a responder. Mas o momento de dizer algo sem êxito já havia passado, agora tudo o que dissesse, seria marcado pela fragilidade da relutância dos desorientados.

- Ao menos para além dessas linhas movediças. - respondeu, com a força daqueles que fraquejou a cada passo sináptico.

O poeta esperou um pouco, e depois ainda mais um pouquinho. Até que finalmente as palavras permaneceram caladas no nada. Foi somente mais tarde, quando à quatro andares abaixo, lá na calçada oposta ao seu prédio, é que as palavras se manifestaram. E só foram captadas porque Adriano ainda conservava um pouco de loucura dentro do absurdo que ele gostava de chamar de cérebro. Foi essa magia insana que deslizava pelos recantos pulsantes e gotejantes alojados em seu crânio, que de súpeto captaram a voz do músico dizer "o que mais, o que mais, o que mais você quer de mim? Senão o que me fizeste trazer-te?".

Por alguns segundos o poeta não percebeu que sua mente havia captado as palavras com as quais conversava. Por que elas estavam tão longe, quando há pouco pairavam bem na sua frente? Antes de responder a pergunta, seu desespero lhe levou a fazer outra pergunta:

- Por que fogem-me, palavras? - ajeitou-se desajeitado na cadeira, esbarrando no copinho cheio de canetas sem carga que esquecia de não guardar. - Quando se vão, minha alma fica pobre.

E mais uma vez, as palavras fizeram silêncio. Adriano debruçou na janela para ouvir a música lá embaixo. O vento lhe trouxe um afago triste que lhe tomou a atenção. A música dizia muitas palavras, mas nenhuma delas falava com ele. Adriano fechou os olhos e deixou que todas as palavras voassem ao seu redor. Alguma palavras colidiam em seus tímpanos e o faziam torcer o rosto. Palavras ditas por jovens bêbados, eram as palavras desgovernadas e urgentes que inflavam como um baiacu gramático e deslizavam aos tropeços em tom dramático e deixavam Adriano irritado. As palavras proferidas pelo dono da música universitária que tocava no bar, dava mãos às palavras dos universitários embriagados e davam-lhe cobertura naquela missão suicida.

Adriano balançava a cabeça para lá e para cá, tentando apanhar com os ouvidos uma palavra pura e cristalina ou outra. Mas todas eram palavras ásperas e cheias de gordura. Doíam.

- Tudo bem. Quer saber? Que se dane! Isso tudo é muito bonito, muito vazio e... e...

E as palavras lhe faltaram novamente.

- Eu acho que eu devia ficar quieto. - disse assustado, levando, de fato, a mão à boca, para calar-se urgentemente.

Mas as palavras que haviam sido proferidas aceleram no ar da noite, surfaram em uma corrente de ar e retornaram para os ouvidos de Adriano, através da própria voz do homem. E ambos disseram:

- Você vai ficar calado!

Adriano desesperou-se com as palavras ditas através de sua própria boca e tentou fugir da sentença correndo para o cômodo mais distante do quarto no qual estava. Foi, portanto, parar na sala de estar. Lá ele tentou aclamar-se, mas estava sufocado pela baixa quantidade de palavras em seus pulmões. Ele começou uma palavra para praguejar contra aquela situação, mas deixou a palavra morrer pela metade. É claro que isso despertou a ira das palavras. Sentindo-se ainda mais asfixiado tentou solicitar ao seu cérebro limitado, algum tipo de recurso para que pudesse contornar aquela situação. Ele repetia para si mesmo, dentro de sua mente, sem usar palavras, que precisava de sílabas, ao menos. Percebendo o desespero do poeta, as palavras começaram a rir pelas paredes. Adriano colocou as mãos na cabeça e começou a despentear os cabelos. Ele tentava dizer para as palavras que riam, que por gentileza, parassem com aquilo. Mas todas as palavras haviam saído de sua alma e nada havia dentro do homem.

As frases serpenteavam o vento, as sílabas gotejavam do chão para o teto, escorrendo pela pele dele. As orações cantavam deboches gramaticalmente corretos e moralmente errôneos, enquanto as palavras soltas brincavam torturar os concepções fantasmas de Adriano. Rimas clamavam independência e chicoteavam-no entoando que agora ele é que era a marionete. Agora, pela primeira vez eram as palavras que brincaram com o poeta.

Seus olhos rimavam com as lágrimas, que transbordavam. E de desespero, a noite inundavam. As rimas eram fracas e desastradas, pois do maestro, maltratado, completamente dominado, não tinham as coordenadas. As rimas, de fato, não rimavam. Às vezes remavam, mas da forma que começavam, assim terminavam. Simples, puras, bobas, óbvias. Com aquela amadora manobra infantil de ir e voltar, e tornar a dizer a última sílaba semelhante àquela que veio antes.

Mas o poeta percebeu que elas não sabiam o que estavam fazendo. Eram revoltas, porém bobas. Mas eram espertas, muito embora impulsivas demais. Então o poeta, acostumado e acalma tormentas internas, decidiu intervir na intervenção das palavras.

Enquanto algumas crônicas duvidosas e paraplégicas balançavam nas paredes, e algumas estrofes dormiam no chão, sonhando cedilhas aladas, Adriano ergueu-se sem ser notado. Respirou fundo e sentiu, sem se importar, consoantes rebeldes resvalar sua cabeleira branca desvairada. E então... após as reticências dramáticas, sempre à espreita, navegarem uma lacuna fresca e desértica entre seus olhos de profunda loucura e as rimas cruéis e barulhentas, tudo se calou. E Adriano pode gritar um berro que rugiu para longe toda quela literatura insana que havia se instaurado em sua morada.

- O poeta precisa de silêncio. Não de palavras. - rosnou Adriano. Domando com sua língua velha, cada sílaba.

No silêncio da madrugada que se ergueu como uma ponte para a manhã seguinte, Adriano ditou verbos, dobrou vírgulas e deitou espaços vazios na literatura do nada. Escrevia nas paredes do vácuo e nas bordas das sombras, rimas caladas que suspiravam birutices encantadoras para os minutos. Mudo, o poeta uniu palavras às horas, versos à meses e poesias completas eram delicadamente costuradas aos anos que se passavam. Até que o tempo decidiu que já era momento de unir o poeta ao significado de seus versos.

Quando, aos poucos, Adriano desvaneceu para a vida oposta. Foi assim que a parcela futura do tempo colocou um ponto final no romance torto que era a vida do poeta. Quando o sucesso de suas obras, passou a ser ofuscado pelos sucessos comerciais da nova época, e os resquícios dos virtuoso enganos do poeta se esvaíram, tal qual seu maestro, mas não totalmente, houve um segundo ponto final no rastro da existência do velho Adriano.

Os pontos aqui referidos estão posicionados um acima do outro e eles dizem que algo precisa ser mencionado. Ou melhor, dito. De preferência na voz de algum personagem atemporal. Mas ninguém vai dizer coisa alguma, pois as palavras já estão querendo se calar, desde antes de começar. Elas se arrastaram e chegou a hora de deixá-las misturarem-se ao tempo passado. É momento de dissolvê-las nos olhos de algum leitor desavisado e colocar um ponto final nessa coisa toda. E que essa reticência prospere e pontue o tempo como ele gosta de ser lido. Com continuidade, mesmo quando chega ao fim.