HÁ NO PARAÍSO UMA EVA

HÁ NO PARAISO UMA EVA

Não havia como medir o carinho, o respeito a afeição, enfim o amor que sentia por aquela doce criatura da qual apenas conhecia o nome...Eva. Foi amor `”quase à primeira vista”.

Era uma pena, eu uma criança de 10 anos de idade, apaixonado por uma moça já com seus 22! Ao princípio, aquilo parecia muito estranho, não fosse a estranheza maior ser o fato um absurdo.

Crio não saber ela daquela minha paixão, porém percebia a cumplicidade naquele meio e meigo sorriso que me dava todas as vezes que por ela passava. Às vezes, me demorava um pouco para ter coragem de roubar-lhe um beijo , o que ocorreu por duas ou três vezes. Não me dizia nada, somente sorria e eu a amava cada vez mais.

Na minha casa havia um jardim, onde Dona Badinha, cuidava muito bem das flores de diversas matizes, e que enfeitavam a casa humilde coberta com palha de babaçu, como as demais da Rua Machado de Assis, onde o amor partilhado cultivara a bondade, e nos fazia crescer como homens e mulheres com a sensibilidade de verdadeiros seres humanos. As rosas vermelhas, eram as suas prediletas, eu apreciava as amarelas de pétalas gigantes. Pedi-lhe então certa vez um ramalhete para levar a uma pessoa muito querida, ela sorriu, me abraçou e colheu as mais bonitas entregando-me com um beijo.

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Ficava extasiado quando ouvia falar dela, era com grande carinho e admiração que se referiam a ela, percebia que era muito importante e querida.

Professora exemplar, carinhosa com seus alunos, divertida, inteligente e ainda pra completar... linda! Seu sorriso fácil contagiava os que dela se aproximavam. Tudo isso me encantava e passei horas sonhando com o futuro. Tinha que estudar bastante, me formar e ser professor a exemplo dela. Queria ter uma casa com jardim, muitas flores e uma rede na varanda para aconchega-la nos braços, juntamente com as crianças que certamente viriam. Os olhos pesaram e adormeci pra continuar sonhando aquele doce sonho de reviver.

Quando raiou o dia, corri à sala de refeição, bem próxima da cozinha, de onde o cheiro do café, coado por meu pai, o “seu” Antero, convidava para o “quebra jejum” e o borralho com a lenha em brasa, crepitava e atrai para junto de si, os movimentos frenéticos de esfregar as mãos passando por todo o corpo, aquecendo-me na manhã de ventos suaves, porém, gélidos... estava ali em pé. Os meus olhos correram em todo aquele ambiente, e em um canto entre o pote e um filtro, sob um móvel rústico de madeira envernizada já desbotando, contemplei o jarro com água, e as flores dentro dele, que havia colocado na noite anterior. Das rosas colhidas por mamãe, alguns botões haviam desabrochados e imaginei o quanto a minha querida iria gostar daquela declaração de amor

Tomei um banho de caneca, vesti minha calça curta de suspensório com uma camisa azul, penteei meus cabelos e não esqueci de passar no pescoço o leite de rosas, queria estar bem bonito e cheiroso para aquele encontro que seria muito importante pra selar nosso romance, já havia me atrevido pedi-la em namoro. Seu sorriso enigmático e um tanto quanto misterioso, me fez acreditar que aceitaria e que me esperaria chegar à idade certa do homem que a levaria ao altar, igual o “seu” Nicodemos levara a dona Maria Francisca, lá na igreja matriz, naquela noite festiva, que se seguiu numa animada festa no final da minha rua escura e que naquele momento se destacava pelo ponto iluminado com diversas lâmpadas, que mais tarde saberia, era gerada por uma bateria, provavelmente do caminhão do noivo.

Tomamos um café com um beijú regado a azeite de coco. Depois, tomado pela mão da minha mãe, nos dirigimos ao destino esperado a cada mês. O percurso era longo, mas não havia cansaço que chegasse me fadigar. Com a outra mão, segurava o buquê com muito cuidado. Ao passar pelos meus coleguinhas da rua, dava-lhes um sorriso e avisava-lhes que logo mais estaria de volta pra jogarmos peteca ( bola de gude).

No caminho sonhava... vez por outra , era retirado dos meus pensamentos por algo que mamãe queria me mostrar ou dizer.

Ao chegar naquele portão sisudo e sem graça, pois enclausurava o meu amor, dava-lhe um desdenhoso sorriso, pois não seria ele, obstáculo para em um futuro um pouco distante para mim, tirá-la dali e viver intensamente aquela paixão.

Acreditava ter as minhas preces ouvidas por Jesus. Acreditava como Lázaro, que a minha Eva, reviveria.. e quando eu tivesse a sua idade, exatamente a mesma idade, como uma magia, ela viria, linda com o sorriso nos lábios e abrindo os braços, se permitiria ao abraço que havia guardado para aquele momento .

Revelei para mamãe o meu segredo e ela carinhosamente passou a mão pelos meus cabelos e beijava-me a cabeça, enquanto narrava-lhe como acontecera.

Era uma calorenta manhã do final de outubro do ano de 1973, a minha mãe fizera uma promessa de rezar um terço em favor das almas do purgatório la no campo santo. Eu a acompanhava e acendia as velas que comprávamos na venda do Paínho, ele anotava em um caderno e no final da semana, meu pai ia lá e pagava.

Foi quando passei pela professora Eva. Já havia ouvido falar muito dela, agora em frente a pequena fotografia em preto e branco em uma cerâmica mórbida, fitava o sorriso mais lindo e cativante que já havia visto. Rezei um Pai nosso e uma Ave Maria, pedindo ao meu bom Jesus que a ressuscitasse daquela data à doze anos. Ela era de 1947 e eu de 63, como tinha ido para o céu de forma precoce aos 22 anos no ano de 1969... então dessa forma, eu poderia espera-la e ela continuar com a mesma idade do início do sono eterno. Depois da oração contrita, observei o seu sorriso concordando com a minha conveniência. Passei a amá-la a partir daí. Era a minha namorada.

Quando terminei a minha narrativa, percebi um tímido sorriso nos lábios de mamãe que com os olhos cheios de lágrimas me disse: - entendo Paulilnho, entendo o teu amor, mas esse é impossível, ela está com o Papai do céu e um dia nos encontraremos lá. Você irá conhecer alguém que ti retribuirá todo esse amor que tens pra dar.

A Professora Eva povoou meus pensamentos durante muito tempo, e tenho que confessar... sua memória me ajudou a crescer, a sonhar e viver. Os ensinamentos de um mestre, mesmo depois da morte, são eternizados, mesmo quando dele não foi ouvido... basta ter ouvido falar dele.

O mestre ensina com seu sorriso o ato sublime de amar. A Professora Eva é uma deles.

George Paulo 23/12/2014

GEORGE PAULO
Enviado por GEORGE PAULO em 30/12/2014
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