593-MENSAGEM DO ALÉM NO PANELEIRO -

O paneleiro era de grande utilidade nas casas de antigamente: um tripé para colocar panelas, caçarolas e frigideiras, era construído com grossas vergas de ferro, cuja armação dava-lhe um aspecto de enorme cone, com quase dois metros de altura. As três vergas verticais eram unidas por círculos também de metal, que formavam as prateleiras onde eram colocadas as panelas. As maiores embaixo e as menores em cima, de tal forma que quando bem arranjadas, formavam uma pirâmide alta e fina. Nas laterais das varetas que faziam os três pés, ganchos serviam para dependurar conchas, escumadeiras e outros utensílios de cozinha.

O paneleiro — muitas vezes chamado de tripé — ficava sempre ao lado do fogão de lenha e era indispensável numa cozinha bem montada. Mas nem todas as cozinheiras tinham o cuidado de arranjar as panelas e acessórios de forma a dar ao paneleiro aquela aparência de organização doméstica.

Dona Ernestina não tinha esse cuidado. Colocava as coisas de qualquer jeito. A filha Maricota implicava com a mãe pela falta de ordem.

— Mãe, é preciso ter cada coisa no seu lugar e um lugar para cada coisa.

— Ara, fia, deixa de bobagem. Vai arrumar seu quarto e deixa a cozinha, que eu cuido.

Maricota ficou obcecada pela idéia de ter um paneleiro organizado.

— Quando casar, meu paneleiro vai ser bem certinho.

E quando casou, o sonho de Maricota tornou-se realidade.

— Agora sim. Vou poder arranjar minhas panelas bem direitinho. — E mostrava com orgulho às amigas e comadres o cuidado que tinha na colocação ordenada dos utensílios da cozinha no paneleiro.

Foi morar com o marido na capital, onde as casas eram bem diferentes, já tinham fogão a gás e geladeira. Mas o paneleiro a acompanhou por toda vida.

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Aninha, a filha mais nova de Maricota, não dormia tranqüila. Sempre tivera dificuldade em dormir, mexia-se muito na cama e tinha pesadelos. Acordou certa madrugada chorando. Maricota foi até o quarto onde as cinco meninas dormiam, e acalmou a menina:

— Dorme, queridinha, foi pesadelo. Ce tava sonhando...

— Mamãe, a vovó morreu... vi a vovó... ela tava morta...

— Não, queridinha, a vovó ta lá na casa dela, ela num morreu não.

— Eu vi... eu vi.

Dona Maricota ficou algum tempo afagando Aninha, que, fechando os olhos, procurava dormir de novo. Mas, assim que a mãe saiu do quarto, Aninha levantou-se e foi até à cama de Dolores, a irmã mais velha. Puxando seu braço, acordou-a e contou-lhe o que vira em sonho:

— Dô, eu juro que vi a vovó morta. Eu juro. Ela morreu, sim...

A mocinha (Dolores estava com quase dezessete anos) levantou-se e levou Aninha à cozinha.

— Venha, vou lhe dar um copo dágua com açúcar, pra você se acalmar.

Aninha soluçava enquanto bebia. Dona Maricota acordou com o movimento das duas na cozinha, levantou-se e foi ver o que estava acontecendo.

— Ela está com medo — explicou Dolores. — Diz que viu a vovó morta.

Dona Maricota olhou para o paneleiro. Levou um susto: o paneleiro estava todo desorganizado, com as panelas, frigideiras e tudo o mais colocado fora da ordem habitual.

—Você andou mexendo nas panelas, Dô?

—Que é isso, mãe. Só vim dar um copo dágua pra Aninha.

Puxa, está parecendo o paneleiro da mamãe! — pensou. E então, naquele momento, teve certeza: Foi ela. Ela esteve aqui mexendo no meu paneleiro. E Aninha sonhou com ela... morta!

Assustada, voltou ao quarto e acordou o marido.

— Lucas, acorda.

O marido reluta em acordar.

— Que foi, mulher? Ta muito cedo pra levantar.

— Vamos ter de ir pra casa da mamãe.

— Ce ta bestando.

— Não, Lucas. Acho que mamãe...

A custo, o marido concordou na viagem tão de repente. As crianças foram acordadas e tiveram também que arrumar as roupas para a viagem. As malas ficaram prontas bem depressa. Foram para a estação rodoviária e tomaram o ônibus das seis para Serra Clara.

Após quatro horas chegaram à cidade onde moravam os pais de Dona Maricota. Um táxi os levou até a casa simples, do outro lado da cidade.

De longe, ela viu pessoas reunidas à porta da casa da mãe. Quando o carro encostou, o pai, Altamirando, chegou primeiro para abraçá-la.

— Maricota! Você chegou depressa... a Ernestina...

Abraçando o pai, não podendo reter as lágrimas, que molhavam a camisa do velho, ela o interrompeu:

— Sei, papai, já sei de tudo.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2010 –

Conto # 593 da SÉRIE MILISTÓRIAS

Inspirado em história narrada por Ana Alexina

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 20/12/2014
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