A MÃO DA GLÓRIA

O homem macérrimo e doente, andava às voltas com uma ideia fixa, que o vinha há dezenas de meses exaurindo-lhe o semblante, agora mortificado, de aparência abjeta, desprezível, como um edifício oco.

Havia já sido advertido de que sua saúde inspirava cuidados, mas não dera ouvidos aos médicos, pois havia urgência em obter o seu intento. Era um homem de maus trabalhos. A doença não adoece o caráter de um homem.

Desde quando ainda jovem, vivia de pequenos roubos que, com o passar do tempo, evoluiu para a prática de assaltos à mão armada, sequestros, assassinatos e toda a sorte de delitos. Passou boa parte da vida atrás das grades, emparedado em um presídio de segurança máxima. Mas foi lá, encarcerado, sem ver a luz do sol, privado da liberdade, que aprendeu muito sobre o mundo e as coisas. Tal e qual Edmond Dantès, porém nem tanto inocente e injustiçado, obteve o conhecimento de uma grande fortuna, mas que não poderia ser roubada, a não ser de forma misteriosa.

Numa noite angustiante, dessas noites quando não se consegue dormir por conta de sonhos perturbadores, ouviu uma voz que saía das paredes, uma voz que se esvaía como a água que mina das infiltrações. Essa voz misteriosa falava de um encanto, de uma feitiçaria abominável, de um objeto maligno que lhe traria uma imensa fortuna. Dizia ainda que era necessário que ele quisesse de toda a sua alma.

Ele então quis saber.

A voz que saía das paredes começou então a lhe dizer, por quase oitenta noites mal dormidas e angustiadas.

"Há um encanto bastante perturbador, com uma reputação de fazer invisível aquele que o invocar e há ainda, um objeto demoníaco, uma vela que faz paralisar aqueles que vêem a sua luz. De fato, ninguém de alma decente jamais ousaria fazer uso de tal feitiçaria".

Ele então quis saber. Os olhos amarelos brilharam de cobiça.

A voz quase sussurrando, então continuava:

"A Mão da Glória é um terrível artefato de magia negra e decerto, como um amuleto demoníaco, nunca é conseguido de maneira fácil. Para se conseguir uma Mão da Glória é necessário decepar a mão de um criminoso que tenha sido enforcado. Mas não basta decepar a mão do primeiro que encontrar. O corpo tem de estar dependurado, não menos do que vinte e quatro horas em um patíbulo, na beira de alguma estrada.

A mão deve ser separada do corpo de um só golpe. Nesse momento também, se pegaria cabelo e gordura do cadáver para produzir a vela que a mão segurará. A mão deve ser drenada de todo o sangue, utilizando-se para isso de um pedaço de tecido de mortalha, mergulhado em uma mistura de sal, salitre, amônia, pimenta, entre outras especiarias e enfurnada por setenta semanas em um recipiente de terracota.

Depois disso, tal amuleto ficaria secando ao sol nos dias mais quentes do ano, ou na falta disso, um forno servirá, onde junto, seria queimado verbena e abeto. A mão seria então moldada como um punho, onde se encaixaria a vela, feita com a gordura humana, cera e óleo de sásamo. O cabelo do enforcado servirá para moldar o pavio. Uma vez dentro da casa onde se planeja o assalto, basta o possuidor pronunciar um mantra demoníaco enquanto se acende a vela e quem estiver adormecido na casa, não poderá despertar.

Além dessa propriedade maligna, a vela poderá até mesmo ser mergulhada em água e mesmo assim não se apagará. Apenas leite fresco, sangue ou a vontade do seu dono poderá apagar a chama da vela que queimará eternamente, sem se consumir".

O homem ouviu tudo atentamente e fez anotações minuciosas, escrevendo a sangue frio na própria pele com uma navalha.

Anos depois, disseram que o encontram jogado ao léu, na imundície das ruas. Os braços em carne viva, onde ainda se podia ver caracteres intraduzíveis rasgados na pele, numa profusão de feridas infeccionadas e purulentas. Ouvia-se dele que tinha o poder da invisibilidade. Que podia entrar em qualquer lugar sem ser visto. Que era proprietário do mais demoníaco dos amuletos.

Porém é certo que ninguém lhe dava ouvidos. Perguntava-se como um homem portador de poder tão assustador vivia ali naquela miséria humana. Se podia entrar em qualquer lugar sem ser visto, por que não entrava no J.P.Morgan Chase, Casa da Moeda, no Gold Bullion Depository em Fort Knox ou no enigmático cofre mórmon na Cordilhera Wasatch e sairia então carregado de ouro e posses valiosas?

Os olhos vazios dele, amarelados pela icterícia escleral, tomavam uma cor escura nas órbitas. Seu semblante se modificava repentinamente, ruborizava a face escaveirada e abria um discreto sorriso, digno do mais sábio dos homens.

Sabia que lhe viriam tais perguntas. Quando tomou posse da Manu Gloriae achava mesmo que lhe viriam imensas fortunas. Poderia conquistar todos os tesouros que assim almejasse. Teria acesso ao mais intransponível dos cofres. Desvendaria todos os segredos guardados a sete chaves.

E assim o fez.

Mas a Manu Gloriae não lhe daria tanto poder a troco de nada. Ao conhecer os segredos humanos, ao penetrar nos mais profundos segredos da Humanidade, aquele homem adoeceu profundamente e quis devolver o poder amaldiçoado da Manu Gloriae e fracassou de forma miserável. Já era muito tarde para o arrependimento.

Depois disso, acuado, como se fosse Lázaro, caiu em abstrusa desgraça.

Qual invisibilidade seria maior do que um homem doente, enlouquecido e de péssima reputação, jogado nas ruas?