O Aviso
De repente o mundo parou. Coisas, pessoas e animais ficaram presos ao momento. A folhagem das árvores dobrava-se, estática, a um vento que deixara de correr mas que era o mesmo e existia com a dinâmica em que estava no preciso instante em que parou, como se mais não fosse tudo que uma fotografia perfeita da imobilidade geral. Privilegiado, eu pensava enquanto braços e pernas, mãos, dedos, olhos e o resto se acomodavam ao rigor do que acontecia a tudo. Sei que a tua boca registou a abertura e a modelação do chamado, que os teus braços ficaram, tesos, a caminho do abraço e que, pelos teus olhos, continuava a estar, quieta, a minha imagem. Teria sido esta a sensação da mulher de Lot na altura em que, olhando o passado, cristalizou, no presente, o seu futuro. E, por nada saber da recuperação de estátuas de sal ou porque o futuro se desenhava, impiedoso, sob a palavra punitiva de Deus, Lot correu nos trilhos que lhe ditava o Senhor e deixou que a sua companheira morresse como mulher e nascesse em si como memória. Arrepiei-me ante a visão que tive da tua absoluta imobilidade. Nada do que seria expectável tinha valor, nada do que dissesse, sem poder dizer, teria resposta, ação ou eco porque os sons ficavam no limiar da minha boca e o corpo vivia a minha necessidade de ti congelada. Que adiantava ter o cérebro ativo e funcional se, ao redor, o frio arrefecera as almas e todos os corpos se condenavam na representação daquela morte aparente? Restava-me, com o pensamento, transcender todos os limites, todos os silêncios, toda a impossibilidade de ser e implorar ao Criador pelo fim do castigo. Que fosse só um sonho, Senhor. Que fosse só um mero aviso aos malditos, aos alheados, aos mornos. Que o Teu perdão trouxesse o meu amor à vida e que o mundo que assim morrera, voltasse a ter o Teu sopro. Acordei.