Morte Atípica.

Meu tio Francisco era uma referência cultural da família. Nos anos 14 fez em uma cidade bem distante da zona rural um Quarto Ano Primário, além de ser um viciado em livros, principalmente filosóficos e religiosos. Tornou-se uma figura muito importante para comunidade atrasada e analfabeta. Lia muitos livros sagrados e um fiel devoto da Santa Maria Virgem. Tinha a oração da boa morte que rezava todos dias na hora de deitar.

A partir dos 50 anos tio Francisco ficou com a saúde muito abalada. Embora eu ainda muito jovem , me lembro dele recitando poesias, ditando frases de auto ajuda. Ele morava muitas léguas distante da nossa casa, ficou muito doente e nem nos visitava mais. Sua rotina era sala, cozinha e quarto. Até hoje não sei qual a doença que levou meu tio, naquela época era tabu falar de doenças, principalmente doenças contagiosas. Diziam que tinha fortes crises. Um dia estava bom, noutro não, e assim era a sua via sacra.

Num belo dia o tio surpreendeu; levantou-se da cama, deu uma volta nas plantações, brincou com os netinhos e contou piadas. Os filhos despreocupados foram para o eito. Mais ou menos as !4.00 horas, sentou-se na cama, pegou o terço e exigiu que filhos, genros, noras e netos o ajudassem a recitar o terço, dizendo que seria a última reza com a família. Os filho, acharam que era delírio,mas obedientes como era de costume na época obedecer os pais, reuniram e rezaram.. Para terminar a reza entoaram uma canção religiosa, tendo como estribilho; “ no céu no céu, com minha mãe estarei, no céu no céu, com minha estarei “ (...) Um filho dele disse que a voz foi sumindo e sumindo, foi ai que perceberam que ele estava morrendo. Dentro do meu parco conhecimento de vida e morte, acho que foi uma morte atípica.

“ A morte é um fenômeno natural, mas sempre assusta os remanescentes. Melhor agora é o silêncio.” Manoel de Barros.

Lair Estanislau Alves.