453-A CHURRASQUEIRA MACABRA

Cada roca com seu fuso, cada povo com seu uso – é um ditado popular muito antigo bem a propósito da história que vem a seguir.

É sobre o costume dos norte-americanos de fazerem a garage sale. Para quem não sabe, permito-me algumas palavras, necessárias à compreensão da história de hoje.

Os moradores colocam, defronte à garagem de suas casas, para venda, os objetos que não lhes servem mais, oferecendo-os aos transeuntes ou àqueles que sabem da realização da garage sale. É incrível como existem pessoas que detectam tais vendas e vêm de longe, para aproveitar as pechinchas que são oferecidas. Eu mesmo vi, em diversas “liquidações” deste tipo, os mais diferentes e estranhos objetos: uma coleção da revista LIFE em Español, dos anos 1954 e 1955, encadernada; um armário para sapatos com entalhes de marfim nas laterais; uma coleção de Long-Plays, ou discos de vinil, ou bolachas, como dizem os colecionadores, de musicas de jazz dos anos 60. Brinquedos velhos, louça antiga, televisores, fitas para vídeo-cassete, enfim, tudo o que se possa imaginar e nem mesmo pensar, a gente pode encontrar nessas “liquidações de garagem”.

Então, os Smiths (talvez não seja o nome verdadeiro, mas assenta bem a qualquer família da classe média americana) fizeram a garage sale no sábado e no domingo, 20 e 21 de julho, uma tarde ensolarada e quente, num bairro modesto de Cliford, perto de Boston.

Aliás, quem estava promovendo a liquidação era apenas o senhor Smith. Vivia sozinho desde que a mulher o abandonara, alguns meses antes, devido aos desentendimentos em torno de um acidente de carro que envolvera o filho. Agora, decidira mudar-se e queria vender tudo o que pudesse, apurar mais alguns dólares e se mandar para o outro lado do país.

Passando por acaso defronte à casa, o técnico de computação Allan Parkbrooke viu um objeto que lhe chamou a atenção: uma churrasqueira de metal. Estava mesmo pensando em comprar uma, por isso parou a camioneta e foi até onde se encontrava a churrasqueira.

— Veja, está quase nova. — Mr. Smith aproximou-se, ao notar o interesse do possível comprador.

— É do tamanho que desejo comprar. — Disse Allan.

— E muito fácil de se lidar com ela. Nem muito grande nem pequena. — Mr. Smith esclarecia. — A grelha tem 1 metro por 80 centímetros, a bandeja de brasas está sem ferrugens. E embaixo, sob a bandeja, o senhor pode ver este de armário de duas portas, para guardar carvão. Um armário com chave! E já está cheio de carvão.

Em poucos minutos, Allan examinou e gostou da churrasqueira, entabulou negociação e comprou-a por apenas 25 dólares.

Uma pechincha — pensou.

No dia seguinte, domingo, chamou alguns colegas para a estréia da churrasqueira. Foi colocada num canto do quintal, à sombra de enorme álamo, com a ajuda de um dos presentes.

— Puxa, é bem pesada!

— É que o armário aí embaixo está com carvão. O proprietário deixou o depósito cheio.

Pela primeira vez, Allan pega a chave da pequena portinhola e a abre. Para sua surpresa, não havia carvão dentro, e sim um embrulho escuro, de plástico marrom . Allan retira o embrulho com dificuldade.

— Parece um rolo de madeira. — comentou, enquanto ia desembrulhando, a curiosidade aguçada e os convidados ajuntando-se em volta.

Ante o espanto de todos, o que apareceu foi uma... perna humana!

Cortada um pouco abaixo do joelho, o macabro achado assustou a todos. Dois saíram correndo rumo ao WC.

— My God! É uma perna humana!

— Como foi parar aí, Allan?

— Sei lá! Ainda não havia aberto este compartimento.

— É caso de polícia. Pode ser indício de um crime.

Allan apesar de assustado, tenta acalmar os convidados.

— Não gente, isto deve ter uma explicação. Uma perna, por si só, não é sinal de crime. Vou telefonar para Mr. Smith. Ele deve saber do que se trata.

Mr. Smith atendeu prontamente e chegou ao local do macabro achado apenas trinta e cinco minutos após o chamado telefônico.

Foi direto ao cerne da questão, explicando:

— Calma, pessoal. Posso explicar tudo.

E então contou:

— Esta é a perna de meu filho Joe, que sofreu um acidente de carro há mais ou menos seis meses. A perna teve de ser amputada e minha mulher se apossou do membro, numa demonstração patológica de afeto por Joe. Mandou embalsamá-la e a conservou por algum tempo dentro de nossa casa. Por esse motivo, nos desentendemos e ela abandonou-me, levando Joe. Pensei que ela havia levado também a perna embalsamada. A miserável deixou-a na churrasqueira.

— Bem, então pegue a perna e a leve consigo. — Falou Allan, que queria acabar com aquele assunto o mais depressa possível.

— Perdão, senhor, disse Mr. Smith, a perna é sua. Quando lhe vendi a churrasqueira, o senhor estava comprando tudo que estava dentro dela. Pensei que era carvão, era a perna de meu filho, que agora lhe pertence. Faça bom proveito.

Dito isto, mais do que depressa, entrou no carro e saiu chispando, deixando Allan e seus convidados completamente boquiabertos.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 28 de setembro de 2007

Conto # 453 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/10/2014
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