Encontro com a personagem… (EC)

Toc-toc!

Um senhor barbudo e sisudo, mas não carrancudo, veio arrastando seus chinelos pelos mármores lisinhos e espelhados, da melhor qualidade, do imenso salão de imponentes portais de carvalho sobre os quais estavam escritos em letras salientes e bem desenhadas: “Ante-sala”. Pensei, pouco antes de ouvir a chave revirar na fechadura não menos imponente de ferro maciço, antigo: "Se a ante-sala tem um portal tão grande, imagine a sala propriamente dita..."

- Sim, pois não?

- Não deveria ser “pois sim”? Sempre tive essa dúvida, respondi com a minha pasta debaixo do braço!

- Que seja! A quem devo a honra de me dirigir?

- Charles Lucevan Rodrigues!

- E o senhor morreu de quê?

- Que morreu o quê, sou visita, não tá vendo o crachá? Vi – si – ta! Mas estou mesmo é dormindo lá na terra. Meu espírito é que se desdobrou em sonho e veio pra cá fazer pesquisa de campo, quer dizer, fazer uma visita ao meu personagem...

- Que seja! - E veio visitar quem?

- Minha santa mãe!

- Qual das duas?

- Como qual das duas?

- É que tem a Mãe Santíssima, e a sua mãe, que você também chama de santa...

- Ah tá! É mesmo! E não dá pra ver as duas, pra aproveitar o embalo, já que estou aqui?

- Bom, até dá, mas uma de cada vez... mas já vou logo avisando, quanto à Mãe Santíssima, só quando você morrer, pois só entra no céu quem já morreu e tem merecimento.

- Pode deixar então, tem pressa não! Só minha minha querida e santa mãe mesmo. Falei encabulado.

- Quem te encaminhou pra cá?

- Bom, encaminhar, encaminhar mesmo, ninguém não. Eu é que aproveitei o ensejo e tive a ideia de vir aqui me encontrar com ela, como personagem de um texto meu – “Anjos” - já leu? Tenho uma cópia aqui na pasta...

- Não precisa! Acredito!

- É que o próximo tema nosso é “Encontro com o personagem”, e como minha mãe é personagem de um texto meu, não perdi tempo, vim direto pra cá. Estou doido para vê-la!

- Sei!

- É! O senhor deve ser muito ocupado abrindo essa porta toda hora... mas quando tiver um tempinho na sua mudança de plantão, acessa lá o site do “Recanto das Letras” e procura pelo meu nome ou pelo texto e aproveita pra ler os outros textos também... Aqui tem computador? A internet é boa? É banda larga? Tem Wi-Fi? Wirelless?

- Internet??

- Olha estou com pouco tempo e acho melhor a gente deixar de lenga-lenga... posso ver minha mãe?

- Sim, claro! Afinal o senhor está com o crachá, de “Vi-si-ta”, não é mesmo? Aguarde um pouquinho, pois vou chamá-la.

Olhei para o fim do salão, onde um portal, ainda maior que o da ante-sala, foi aberto e, por alguns instantes, eu postei as mãos sobre os meus olhos que me ficaram doídos pelo clarão que saiu do ambiente atrás da mulher, minha mãe, que me veio ao encontro. Ela, não menos resplandescente, como a deslizar pelo mármore do imenso salão tido como “Ante-sala” do céu, estava toda sorrisos.

Não segurei as lágrimas, tamanha a alegria e mistura de sentimentos que sentia. Saudade, alegria, tristeza pela distância, saudade de novo, desejei até morrer pra me juntar logo a ela mas depois pensei melhor e decidi rapidinho ter mais paciência, vai que morria e ficava o resto do meu tempo no purgatório esperando a vez... melhor não, mesmo! Se era pra purgar, que fosse na terra, levando a vida numa boa, até morrer, numa boa, de morte morrida, velhinho e em paz comigo mesmo. Minha mãe entenderia e até torceria por mim nesse sentido!

- Ma-ma-mãe!

- Fi-fi-filho! O que está fazendo aqui tão cedo? Não vá me dizer que...

- Nããão! Fica tranquila, não morri não, sou visita... “Vi – si – ta”, olha o crachá!

- Ufa! Quer me matar de susto?

- Uai! A senhora já não morreu?

- (rindo alto) É mesmo! Olha, às vezes me esqueço de que já morri e estou no Céu! (mais risos).

- Olha mãe querida! Queria lhe dizer que todos aqueles conselhos que você me deu, estou seguindo à risca! Quero que sinta orgulho desse seu filho e quero lhe dizer também que todos nós lhe sentimos muitas saudades.

- Nem precisa dizer, meu filho, daqui de cima eu fico de olho em todos vocês e, quando vejo que vão fazer alguma bobagem eu intercedo por vocês...

- Mas dessa distância a senhora consegue ficar de olho na gente lá embaixo? Tá com as vistas boas heim? Falei em tom brincalhão.

- (mais risos) Meu filho, não é isso. Ali no Céu, detrás daquela portona, de onde eu vim, tem cada tecnologia... quer ver?

- Tem pressa não! Tem pressa não! Quando chegar minha hora de ver, talvez essa daí já esteja até obsoleta, não é mesmo? A tecnologia oferece novidades todos os dias, e como acho que vai demorar pra eu vir pra cá...

- Tem razão! E como estão seus irmãos, seus primos, nossa família toda lá na terra?

- Tudo com saudades da senhora, mas olha, vim aqui pra te mostrar uma homenagem que te fiz lá na terra, logo depois que a senhora se mudou pra cá. Olha, foi muito difícil de fazer, dolorido, mas, fiz de coração. O texto tem o título de “Anjos”, e pelo visto, não poderia ter escolhido um melhor que esse, pois olha que anjona linda a senhora se tornou, não é mesmo?

- Que isso menino? Sou anja não! Essa daqui é uma roupa normal aqui. É chique mas é normal, bem comum até!

- Nossa! Se essa é a roupa comum, normal, a “anjarada” só deve andar de roupa de grife pra desfilar nesse mármore todo né?

Ela riu, com gosto, alegria e satisfação do meu comentário. Ela me falou que eu não havia perdido o espírito brincalhão. Leu o texto e me ouviu lê-lo e fazer comentários também e nos emocionamos sem nos sentirmos acanhados com o movimento no salão, pois a cada hora chegava um novo hóspede celeste, isso quando não chegavam em caravanas, com seus respectivos crachás de “Hós – pe – des”. Crachás reluzentes. Nessa hora senti uma pontinha de inveja, pois meu crachá não era de hóspede e sim, de “Visita”, e não era tão reluzente. Devia ser pelo restolho dos meus pecados a pagar na terra...

- Olha mãe, estou escrevendo lá.. – é, virei escritor amador (falei ao perceber o olhar de surpresa no rosto de minha amada mãe e dei uma ênfase pra me fazer de importante e lhe aumentar o orgulho). E como o próximo tema é “Encontro com o personagem” e a senhora é minha personagem, bolei esse plano pra vir aqui te ver, sabe, como pesquisa de campo. Eu tinha muitos personagens com quem poderia me encontrar, mas teria que ser um que fosse o mais admirável e importante das nossas vidas e, não deu outra, escolhi a senhora e, “tcharam”, olha eu aqui! E, antes que eu me esqueça de perguntar, quem é o mordomo sisudo lá na porta?

- Mordomo?

- É! Aquele barbadão lá, que fica controlando tudo, fazendo perguntas, barrando uns, liberando outros... sabia que ele nem sabe o que é internet? Ficou lá, todo passado quando perguntei se aqui tinha, também né, velhinho, coitado!

- (rindo muito) É São Pedro!

- Valha me Deus! Agora é que ele vai me barrar mesmo quando for a minha hora!...

*****

Este texto faz parte do Exercício Criativo – Encontro com um personagem

Saiba mais, conheça os outros textos:

http://encantodasletras.50webs.com/encontrocomumpersonagem.htm

Charles Lucevan Rodrigues
Enviado por Charles Lucevan Rodrigues em 20/10/2014
Código do texto: T5005365
Classificação de conteúdo: seguro