VIDA ANTES DA VIDA

Numa manhã de um domingo de setembro, de espessa neblina, eu me encontrava em Curitiba. Estava por volta das 10:00 horas e, nada tendo a fazer, resolvi dar uma volta pelas cercanias da cidade. Estava sem destino, então segui em direção à estrada que ia para Ponta Grossa. Passando perto de uma capela resolvi parar para rezar como sempre fazia quando via uma nova igreja. Ao estacionar próximo à porta, eu já ouvia os acordes de “Somewhere My Love.” vindos de um órgão.

Não havia mais ninguém na capela além de mim e a organista que não estava visível. Minha oração foi curta. Quando terminei e sentei-me no banco ainda se ouvia a mesma música. Olhei para trás de aonde vinha o som e, quando encerrou, fiz um gesto de positivo. A música foi bisada espontaneamente, então percebi que naquele momento, ela tocava só para mim. Sentei-me e esperei. Ao término agradeci gesticulando com a cabeça. Em seguida iniciou a tocar “Honey” que também aprovei com o mesmo gesto, depois veio “More” . Fiquei emocionado em saber que aquele era um concerto só para mim. Terminava uma música e logo em seguida vinham outras todas satisfaziam meu gosto, lembravam-me de momentos românticos.

Deveria ser mulher. Um homem não faria isso a outro. Era a primeira vez que eu entrava naquela capela, ela adivinhara o meu gosto, eram somente músicas que me agradavam. Eu não a via, mas tinha certeza que ela via meu ledo semblante. Fiz-lhe um gesto para agradecer pessoalmente, ela não apareceu. Não vi nenhuma escada que me levasse para o mezanino. Então, juntei minhas mãos ao peito e abaixando a cabeça agradeci de corpo e alma, não aplaudi para não desencantar o som envolvente que vinha do órgão. Retirei-me da capela sem ver o seu rosto. Ela continuou tocando, pois eu a ouvia lá de fora.

Por que ela não apareceu? Seria tímida? Mas tinha alma tão romântica! Teria ela algum problema e preferia ficar recôndita? Seu domínio musical requeria muitos anos de experiência. Veio-me um pensamento absurdo: “Ela não queria aparecer porque eu era muito jovem?” Pensei em voltar e vasculhar uma entrada ou uma escada que me levasse ao mezanino, mas eu estaria invadindo sua privacidade e isso poderia nublar aqueles tão belos momentos. Temendo isso, segui meu caminho sem destino.

O sol já tinha dissipado a neblina. Ao invés de seguir em frente, tomei direção ao bairro do Portão. Entrei em uma estrada de chão batido, um lugar quase ermo, já era uma zona rural, eu estava exultante. No radio do carro tocava a música “Green Green Grass of Home”. Ao ouvi-la e olhando para aquela paisagem, aquelas pessoas voltando do culto, senti-me voltando para casa que já estava perto, bem perto, logo depois de uma curva atrás do morro. Vi o centenário pinheiro, abaixo dele um velho carro de boi e ao seu lado um apiário e um velho casarão caiado em estilo colonial, já bem desgastado pelo tempo, de janelas e portas azuis. Sim, eu estava voltando e muito ansioso, só não acelerava mais para não empoeirar as pessoas à margem da estrada. Dobrei a curva e eis meu lar, reduzi a velocidade e parei em frente à porteira. Nesse momento fui tomado de um estranho frio e arrepios por todo meu corpo. Meus pelos eriçaram e minha mente ficou conturbada, suava frio ao olhar para tudo aquilo que já tinha visualizado em minha mente e que agora era real. Tremia, eu nunca tinha estado antes naquele lugar, aquela não era minha casa, eu era forasteiro, mas tudo era familiar, fiquei amedrontado. Dei ré e voltei. Virando a curva, parei, olhei para trás, não vi o velho pinheiro, nem carro de boi nem casarão caiado, o morro os escondia, fiquei mais apavorado. Só tinha um lugar para me acalmar: a capela... mas ela estava fechada e não se ouvia o órgão. Voltei para o hotel para melhor repensar tudo aquilo que acontecera naquela linda manhã.

As coincidências eram muitas, primeiro as músicas na capela e em segundo a que ouvi no caminho. Voltei muitas vezes a trabalhar em Curitiba, temporariamente. Sempre que podia, ia até aquela capela que não ficava longe do centro, em nenhuma dessas visitas, ouvi o órgão. Pensava em seguir para aquela zona rural, mas tinha medo. Temia que algo de mau pudesse me acontecer depois daquela curva. Anos se passaram.

Meu filho cursava o colegial e numa tarde de sábado me pediu que eu o auxiliasse com algumas ideias para uma redação cujo tema era: “Existe Vida após a Morte?”. Estranhamente fui tomado de frio e arrepios. Então, contei-lhe esses acontecimentos que eu mantivera em segredo por vinte e cinco anos.

- Veja o que você pode tirar disso, porque se houver vida após a morte é porque houve vida antes da vida!

Aquele casarão teria sido meu lar em outra vida? Para esta pergunta eu ainda não encontrei a resposta e creio que nunca a encontrarei em vida! -

Leitores, esse acontecimento ocorreu em 1968. Foi a primeira vez que fui a Curitiba.

SANTO BRONZATO em 16/10/2.014

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 15/10/2014
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