O homem do espelho

Desejo confessar-lhe, caríssimo leitor, que poucas histórias, dentre tantas consignadas no rol das narrativas de terror, influenciaram, de maneira aterradora, o meu espírito indefeso e expectante como a que, adiante, eu lhe apresento. Devo registrar, contudo, que tal assombramento deve-se ao fato de o personagem envolvido neste conto pertencer ao círculo de minhas amizades, fato esse que em muito contribuiu para classificar esta história entre as poucas que, como disse, me aterrorizaram.

Tenho por Garcia uma amizade que perdura desde a nossa adolescência, mas foi somente nestes tempos de meia idade que ele resolveu relatar o que, surpreendentemente, lhe sucedera aos vinte e cinco anos.

Tivesse eu tomado ciência do presente relato nos anais de suspense, talvez me confessasse incrédulo; mas não, creiam-me, vindo dele - meu amigo sincero e em quem sempre depositara confiança. Eu o ouvi, fiz anotações e agora publico com o seu consentimento, conforme este meu insipiente e assustado estilo.

Garcia não fora, nos tempos colegiais, um menino extrovertido. Ao contrário, recluso e meditativo, não compartilhava, alegremente, as reuniões festivas do grupo. Era “fechado” em si mesmo, como se dizia, mas nem por isso dele desgostávamos. Apenas não falava além do estritamente necessário, mas isto, reconheço, será sempre uma vantajosa virtude.

Recordo-me bem, o menino Garcia era um estudante insatisfeito. Com tudo e consigo mesmo. Acabrunhado, sempre fora uma personalidade em busca do “Eu” definido, de seu mais puro foro íntimo e que, por alguma razão secreta e secular, jamais se coadunara com o seu temperamento exteriorizado; uma personalidade em busca, constantemente, de sua contraparte, isto é, do essencial equilíbrio que pudesse, enfim, nortear a sua vida como indivíduo. Ele era, a um tempo, ele mesmo e outro.

Hoje, posso assegurar que o meu amigo Garcia, no decorrer de sua infância e juventude, não aceitara a ideia natural de ser ele mesmo e que, absurdamente, por todo esse tempo, sempre desejara ser “o outro”.

Ao completar vinte e cinco anos, portanto trinta e cinco antes de relatar-me o ocorrido, Garcia deixou terminantemente de mirar-se nos espelhos. Conseguira ocultar o seu segredo, por longo período, sem que jamais o suspeitássemos. O horror era particular; suas dores, mortais e solitárias. Portanto, o que sucedeu, de fato, e aquilo que confessou-me após esses longos anos estremeceram-me o espírito.

Assim foi que, certa noite, recluso em seu cômodo de dormir, deixou a poltrona em que costumava fazer suas divagações à luz apenas de um pequeno abajur; dirigiu-se ao corredor da casa, já mergulhada na escuridão, empurrou com lúgubre silêncio a porta do lavabo e acendeu uma luz frouxa que, de imediato, salientou disformes sombras nas paredes. Então, mortificado por pensamentos e desejos mórbidos, mirou-se no espelho. E viu, agora tomado de pavor e de arrependimentos, que aquele que lhe sorria espelhado e sarcástico era, de um modo assombroso, medonho, um outro homem...