O CORAÇÃO DA LUA
No inverno, as folhas vão se derramando, quando a
chuva cai, e ficam com aquela presença da ausência que se dispersa na realidade do sol. Rarefeito, o ar tem um cheiro lúgubre e anistia o pecado do jeito pesado que é a fecundidade da mágoa. E as almas tristes se entrelaçam com suas mãos alongadas e seus cabelos escorridos. Elas ficam às margens dos caminhos esperando as biqueiras das casas secarem totalmente. Ficam chorosas, todas juntas, à espera do estreitamento do tempo, que sempre se alarga. E as condicionantes são simples factualidades personificadas em espelhos d’água que se estendem pelo chão umedecido. E até os astros observam a constipação do mundo. O mundo dos homens. Os homens de sentimento. O sentimento das coisas. As coisas da vida. A vida no tempo. O tempo do mundo.
Um dia o coração pulsa e, pulsa intensamente. Foi uma gota de luar que fez a claridade arrebentar o desejo esférico do devir e pedir clemência à suntuosidade. Fez a beleza ungir, com metais pesados, a ambição que acalenta a racionalidade do ser que se desespera. E o amor grita como uma voz que se desprende do peito em súplicas incisivas. E corta a condição do feio para condimentar as vaidades do mundo. Então, os olhos da mulher absorvem a fecundidade da mágoa. E a mágoa compõe um soneto em si, e perturba a conflituosidade poética da estética do perecível. Assim, a realidade soluça detestando a rima que sincretiza obscenidade da luz. É neste momento que o sol desaquece e chora. Por que chegou o inverno na condição exacerbada da frequência do mundo. O mundo dos sentimentos. Os sentimentos dos homens. Os homens da vida. A vida das coisas. As coisas do tempo. O tempo do mundo.
Agora o dia está muito claro. No mundo dos homens, quando a vontade se apressa é o desejo que se deteriora. E o coração da lua está no olhar da mulher que se deixa aprisionar pela presença da totalidade. E seus cabelos negros são como as mãos das almas chorosas que se entrelaçam na frequência do mundo. São como braços alongados que acalentam a tristeza das coisas. E se parecem com astros que se deixam alargar pela luz na correnteza do tempo. Absorvem toda presença de ausência dos sentimentos da vida. Assim, o olhar da mulher aprisiona o segredo de uma vontade sincrética no coração da lua.