A fuga
A noite era quente e o vento soprava as cortinas da janela. Ele estava adormecido fazia tempo, num sono profundo, nem reparou que sua esposa havia levantado para dar de mamar ao bebê que chorava.
Ela se acomodou perto da janela e olhava as estrelas e sentia o menininho segurar forte sua mão. Até que virou-se e viu seu amado remexer. Ele parecia estar tendo um pesadelo.
Realmente ele estava num pesadelo terrível. Ele via aquela criatura grotesca, asquerosa com uma coroa apontar o dedo para um monte de crianças que choravam de medo da aparência monstruosa do ser. Em sua cabeça havia uma coroa de rei, cheia de jóias, assim como em seus dedos que apontavam para as crianças.
E ele viu as sombras surgirem das entranhas da terra e tomarem as espadas e irem em direção aos inocentes. O homem fechou os olhos mas sentiu o sangue espirrar em seu rosto. Abriu lentamente os olhos e viu sangue correr como um rio. Foi nessa hora que uma luz clareou todo aquele ambiente que parecia mais ser uma caverna infinita.
O homem piscava tamanha era a força da luz e cobriu os olhos com o braço e sentiu a luz tomar forma humana e quando conseguiu novamente enxergar viu aquele ser com asas brancas e vestes esvoaçantes. Ele já havia visto em outro sonho.
Mas dessa vez o anjo não sorria, falava com medo " Pegue a mulher e o menino e fuja.. Fuja.. Fuja... " Sua voz ecoava naquela caverna e o homem olhava em todas as direções procurando a mulher e a criança. Ele ofegava e corria perdido a escuridão e sentia o sangue molhar suas sandálias e respingar por sua túnica. Sem direção ele gritava pela esposa, desesperado ouvia o eco do anjo repetir sem parar " Fuja... Fuja... Fuja"...
E ele foi se sentindo pequeno e a escuridão o tomou quando ele sentiu uma mão em seu rosto:
- José! José... Acorde!
Ele deu um salto da esteira que dormia e molhado de suor e ofegante abraçou a mulher.
- Foi só um pesadelo querido... Acalme-se!
- Não Maria, não foi... Vamos embora!
- Embora? Mas como assim?
- Eles virão matar nosso filho... O anjo... O anjo me avisou!
A face da mulher ficou sem cor ela colocando a mão no coração, sentiu uma fincada tão forte como se uma espada lhe transpasse a alma. Perdendo as forças se assentou junto ao menino. E agora tão ofegante quanto o marido pegou o menino nos braços e o abraçou com força.
- Não temos tempo a perder! Arrume as coisas! Eu tive uma ideia...
José saiu correndo até o pequeno estábulo enquanto Maria arrumava as trouxas e mantimentos. Em poucas horas os dois estavam saindo da cidade rumo ao Egito.
No alto do morro eles começaram a ouvir o pranto das mulheres, os gritos das crianças e José viu a porta de sua casa ser arrombada por um chute do soldado.
Eles caminhavam seguindo as estrelas, parecia que elas iluminavam o caminho... Enquanto em sua casa os soldados tomados por um ódio quebrava tudo que eles deixaram lá. Depois viram os rastros do burrinho e resolveram segui-los.
Mas enquanto José, Maria e o Menino Jesus iam rumo ao norte, os soldados iam rumo ao sul. José louvou a Deus pela grande ideia que teve de virar as ferraduras do burrinho e fazer com que os soldados fossem pela rota contrária.
Eles rumaram noite a dentro e quando o homem contou a esposa das ferraduras viradas ele ouviu aquela risadinha de bebê e viu Jesus sorrir para ele balançando os bracinhos.