Era uma ideia estúpida
Era uma ideia estúpida, perdida no meio do que se costuma fazer à noite. E assim, como tantas outras ideias estúpidas, foi aos poucos sendo preterida, um pouco pela neura aflorada, por conta da repetição daquele estranho comercial na tevê, do cálculo das contas a pagar, de inverdades conjugais ressuscitadas, por conta de desesperança, de descrença e, finalmente, por uma vontade inexplicável e desenfreada de comer nabos.
Nabos crus, vale ressaltar, mas que, diante da impossibilidade de serem encontrados após árdua peregrinação, dado o avanço das horas, por oito quarteirões, foram suficientemente substituídos por rabanetes comprados do chinês da esquina. Certamente, aquele ser fica ali até altas horas, esperando por algum aloprado; acho que encontrou um.
Era sim, uma ideia estúpida, mas não necessariamente desprezível. E era, ainda – só bem mais tarde eu pude perceber isso - uma ideia obstinada.
Amanheceu e eu comia rabanetes crus, como se aquilo fosse o banquete de uma última encarnação, um derradeiro estado de consciência terrena, mesmo que teimosamente negado pelo meu niilismo crônico. Fui trabalhar.
Logo no início da manhã, uma espécie de redemoinho mental alojou-se em meu cérebro e, como um câncer em estado terminal, pude sentir aquela ideia roendo-me as palavras ainda em formação, a origem das minhas ponderações, o meu livre –arbítrio, até que chegou um instante em que só me sobrara ela, que pairou diante de mim como se fosse uma fotografia, uma imagem sem movimento. Meu nome é Panaceia, disse-me, e eu sequer esbocei alguma reação. Beba-me, ordenou e, um pouco como na canção do Caetano: “...era um momento sem medo e sem desejo”, bebi a minha ideia.
Até hoje não sei o que Lucy foi fazer no céu com diamantes, mas depois que bebi aquela ideia passei a ter a sensação de que, a qualquer momento, a minha postura diante das coisas sérias da vida vai acabar regendo um enorme carnaval. Melhor que seja assim.
Agora, aqueles rabanetes crus...