UM SORRISO
UM SORRISO
Fazia tempo que saiam juntos Ela o apreciava por seu jeito afável, por sua delicadeza, por sua atenciosa presença.
Com o tempo tornaram-se íntimos; ela passou a avalia-lo também pelo calor dos abraços, pela sensualidade dos beijos, pela experiência e o prazer que ele demonstrava nos jogos do amor.
Podia-se pensar que ele seria um par perfeito; a escolha certa para viver um relacionamento mais sério.
Mas havia um senão, um tropeço que a incomodava e que apenas a si mesma confessava. Ainda que os comentários das amigas fossem sempre arrebatados: “Ele é um gato...,” “Você tem sorte...” ”Você encontrou um cara legal!...,” ”Está de quatro por você...,” “Não o deixe escapar...”, havia uma sombra que obscurecia seu entusiasmo.
Sentia-se cruel alimentando por ele sentimento tão negativo, mas não podia fugir daquela verdade: a estranha sensação de repulsa que lhe causava seu sorriso.
Perguntava-se mil vezes a explicação de tal sensação: seriam os dentes? Analisados à parte, os dentes eram limpos, saudáveis; não eram o protótipo de uma dentadura perfeita, por serem um tanto irregulares, mas... Ainda assim, não eram os dentes...
Entretanto a desagradável sensação persistia; ela se pegava afastando os olhos, evitando ver aquele sorriso.
Observava cuidadosamente suas expressões, detalhava seu rosto: olhos vivos, inteligentes; nariz retilíneo; faces bem escanhoadas; lábios cheios mostrando uma pequena cicatriz que por si só não seria um problema... Mas quando ele sorria ela descobria naquele ato tão natural, um “desaire” incompreensível. Inexplicavelmente o que via diante do seu olhar era um esgar intolerável, que procurava ignorar a todo o transe.
Eis que, embora se detestando, não podia evitar aquela incongruência.
Caso frequentasse um analista, talvez obtivesse dele uma orientação; implacavelmente, contava apenas consigo mesma, continuando sempre perseguida por seus pensamentos desanimadores.
Usando de um ardil, fotografou o sorriso do namorado em “close,” e o pode ter, assim, condenado à imobilidade, diante do seu olhar perscrutador: e observar aquela contração dos músculos faciais, aquele leve entreabrir de lábios mais e mais a infelicitava, deixando-a insegura e descontente. Sentimento diferente do dele, que, cada dia mais se mostrava interessado no relacionamento.
Tudo se tornou mais sério, quando ele, agraciado com uma excelente promoção no trabalho, recebeu, ao mesmo tempo, o convite para transferir-se à Matriz da empresa.
Jubiloso, ao vir contar-lhe a boa nova, ele lhe propôs casamento, desde que ela se dispusesse a acompanha-lo na mudança para outra capital.
Pediu um prazo para pensar..., contemporizou...
Ele partiu para assumir seu novo posto de trabalho; ela premida por inesgotáveis dúvidas deixou correrem as semanas; insistentes telefonemas, frequentes e-mails vindos da parte dele cobrando-lhe decisões, acabaram por desespera-la: descompromissou-se sem maiores explicações; e o silêncio da incompreensão caiu entre os dois.
O tempo foi passando..., ela desfrutou de novos amores, conheceu sorrisos que não deixavam dúvidas quanto ao seu encanto, mas que afinal não passavam do eram: apenas belos sorrisos. Os namoros se desfaziam em pouco tempo por desinteresse, incompatibilidade, incompreensão.
Ela o recordava frequentemente, sentindo-se saudosa dos bons tempos que tinham passado juntos; ainda assim nunca se animou a procura-lo.
Havia transcorrido mais de dois anos após o rompimento, quando, certo dia, por acaso, eles se encontraram. Ela ia distraída entregue a seus pensamentos; ele a reconheceu à distância e aproximando-se, chamou-a pelo nome. Surpreendida ao vê-lo, ela não pode deixar de perceber as mudanças nele operadas: sombreando o rosto ele usava uma barba aparada bem curta; seus olhos vívidos, agora a fitavam através das lentes dos óculos , presas a uma armação de titânio. Vestia um elegante terno de confecção primorosa. Sua atual expressão era de segurança, de equilíbrio, de uma circunspecta maturidade.
Ele lhe estendeu as duas mãos num caloroso cumprimento, e, ao toma-las, ela viu, de pronto, que na mão esquerda ele usava uma aliança. (... Casou-se, pensou, sentindo aguilhoa-la certo desapontamento).
Desenvolto ele a interrogou como vivia, quis saber das novidades; interessou-se por notícias de amigos que haviam tido em comum.
Ela lhe fez perguntas sobre o trabalho; ele entusiasmado, detalhou os novos estágios do seu cargo, falou do seu crescimento na empresa e de suas expectativas quanto a realizações futuras.
Apenas dizendo Ah’s e Oh’s, ela sublinhou os intervalos em que ele interrompia suas reflexões.
( Descobriu-se abatida, lograda, recordando-se da inexplicável rejeição que a afastara dele no passado. Embora tardiamente, naquele momento, reconheceu seu erro, censurando-se pela antiga desarmonia).
Á sua pergunta se ainda se demoraria na cidade, ele explicou que viera à Filial da Empresa sistematizar normas de aprimoramento, mas que iria retornar à Matriz ainda naquele dia, num voo fretado para ganhar tempo.
Despediram-se. Ele a tocou no ombro num afago demorado, deslizou os dedos por seu braço, e segurou-lhe a mão, (ela vivamente se lembrou de que aquele era um gesto costumeiro, um tipo de acarinhamento, que ele lhe fazia, muitas vezes, no passado, que ela julgava excitante e sensual).
- Adeus, ele disse.
- Adeus ..., ela repetiu, deixando sua mão pousada na dele, olhando-o nos olhos, buscando ver neles mais do que apenas contentamento.
-Foi um prazer revê-la, murmurou , beijando-lhe a ponta dos dedos.
(Desejou abraça-lo, mas pensando na aliança que ele usava, deteve seu ímpeto).
Movimentando-se com passos rápidos ele se foi, mesclando-se a outros transeuntes.
Ela permaneceu imóvel à beira da calçada; viu-o afastar-se e perder-se de vista; seu pensamento errante vagou, buscando encontrar na lembrança aquele sorriso que não pudera amar...