O FERIADO BANCÁRIO
Leninha estava distraída, na cozinha, cuidando de um frango a passarinho que iria experimentar, numa dessas máquinas de fritura sem uso de óleo ou gordura. Uma “Air Fryer”.
Estava contente e apreensiva pelo resultado. Fora influenciada por uma amiga que passou metade do dia recitando os predicados da máquina. Não sossegou enquanto não voltou do “COMPER” com a dita cuja na mala do carro. Junto com a embalagem vieram três pacotinhos de “frango a passarinho, temperado”. Seria aquele, o jantar do sábado.
Na sexta-feira, à noite, nem bem terminara a novela das oito, Dorival, com a cara enfiada na tela do computador, gritava lá de dentro do quarto:
-- Leninhaaaa! Saiiiiiu!
-- Saiu o quê, meu filho?
-- O pagamento, Leninha! O pagamento! Já depositaram na conta e, na segunda feira já posso ir ao banco retirar um dinheirinho para a festa do seu aniversário! Também vou tratar de pagar a prestação do apartamento. Não quero dar chance para a Caixa tomar nosso cantinho! Esses caras não perdoam Parecem urubus em cima da carniça!
Vamos chamar a Doca, com o Bira, o Cacau com a Dedé, seus irmãos, os velhos, e não podemos esquecer do safado do Pepeu com a Noquinha! Não é? No domingo que vem, vou buscar o Tadeu lá na casa dele, com aquele violão, para a gente engrenar uma serestinha! OK?
-- Mas que festa, que nada, meu filho! Deixa isso prá lá! Vamos guardar esse dinheirinho para o neném que vem vindo. O bichinho está enroladinho aqui na barriga e mais uns oito meses já estará abrindo o berreiro aqui em casa! Xápralá esse negócio de festa!
Leninha voltou para a cozinha e tratou de dar uma olhada no “Manual” da engenhoca e assenhorear-se do tempo e da temperatura adequada para o preparo do frango em pedaços...
Não demorou muito e logo estavam, os dois, à mesa, tecendo comentários sobre o sucesso da máquina, lamentando não terem comprado há mais tempo. Quanto trabalho e quanto tempo perdido com o preparo usual de um frango a passarinho. Aquilo foi mesmo um achado, dizia ela ao telefone confirmando para a amiga o sucesso da empreitada.
Na segunda-feira seguinte, Dorival, logo após as onze horas saiu em direção ao banco para cuidar dos pagamentos e sanar as dívidas normais de qualquer casal. Ao dobrar a esquina, já ao longe, podia ver, nas imediações do estabelecimento bancário, uma multidão de pessoas esbravejando e discutindo em voz alta, dando impressão que estava diante de um iminente quebra-quebra.
Aqui e ali, uns caras encapuzados, outros com máscaras de “Anonymous”. Todos raivosos, todavia, sem uma liderança ou qualquer tipo de comando. Aquilo parecia um vulcão prestes a estourar. Dorival tratou de manter-se ao longe e procurou informar-se do que se passava e qual a razão daquele tumulto federal?
Sentada ao meio-fio, havia uma mulher passando mal. Alguém havia chamado, pelo celular, uma equipe dos bombeiros. Parecia uma crise cardíaca. Ao redor da mulher, um grupo de pessoas, todas aflitas, querendo ajudar sem saber como...
Afastando-se, Dorival dirigiu-se para as proximidades de um outro grupo onde havia um rapaz meio hipirongo falando pelos cotovelos:
-- Pois é eu sou estudante de Economia e estou por dentro de toda essa sacanagem! Aconteceu algum rolo por aí e o governo resolveu decretar “feriado bancário”! Isso quer dizer que nenhum banco vai abrir, hoje!
-- Então é por isso que o pessoal está querendo quebrar tudo? E quando é que vão abrir?
-- Só Deus sabe! Por enquanto ninguém está por dentro do tamanho do rolo que arranjaram! Vamos ter que esperar para ver o que vai aconte...... Nesse momento, o rapaz olhou para um lado, olhou para o outro, ajeitou a mochila nas costas e saiu, de fininho, lá para as bandas da Rodoviária.
O espertalhão viu que estava chegando um ônibus da Polícia Militar, com os refletores girando. Dele, saltaram policiais armados, protegidos com escudos e mandando granadas de gás lacrimogêneo para todos os lados. Não perguntaram nada a ninguém e já foram logo tratando de “dispersar a turba”. Foi um tal de gente correndo para todos os lados. Curiosamente, todos coçando os olhos sem parar...
Dorival chegou em casa e, lívido, atirou-se no sofá da sala. Leninha, percebendo o estado emocional do marido, apressou-se para saber o que acontecera.
-- O que foi que aconteceu, Dodô? Você está mais branco do que vela! Foi assaltado no banco? “Saidinha”, por acaso?
-- Que nada, Leninha! Ninguém pode entrar no banco! Aquela merda estava fechada e ninguém podia entrar! Tinha uns caras querendo começar a quebradeira, mas chegou a polícia e foi logo mandando granada de gás em cima do pessoal! Tinha muita gente nas imediações do banco e a coisa ia ficar feia!
-- Mas falaram quando vão abrir? Vai ser amanhã, ou depois?
-- Ninguém sabe, Leninha! Ouvi falar que decretaram feriado bancário! Vamos ter que ficar atentos às notícias! Deixa o rádio ligado na CBN e a televisão no SBT. Não quero saber de notícia da Globo! Aquela porra só dá notícia de interesse do governo! Tudo manipulado!
Mal Lindinha ligou o rádio, o locutor, no maior malabarismo vocal, noticiava o “feriado bancário” e os primeiros rumores que vinham lá dos Estados Unidos.
O noticiário dava conta de que o comando financeiro mundial teria dado ordem para que todo o movimento bancário tivesse interrompidas as transações. O colapso teria início nas operações “on-line”, ficando definitivamente suspensas as transações que envolvessem toda e qualquer forma de “bits”. A partir daquele momento, todos os recursos ficariam bloqueados. Nem papel moeda, nos caixas eletrônicos ou guichês, nem transferência de dados financeiros em “bits” via Internet ou outro tipo qualquer...
Segundo rumores, os americanos teriam escorregado no maior “crack” da história e o dólar fora desvalorizado após um golpe financeiro que não teria reversão. No mundo inteiro a gritaria e o caos estavam se instalando. O último bizu era de que gente das altas finanças estava querendo quebrar o Dólar, desmontar os EEUU e criar uma nova moeda internacional.
A correria já havia começado e os saques aos estabelecimentos comerciais e supermercados, em busca de comida estavam completamente sem controle.
Nos postos de combustível, filas intermináveis já se podiam notar e os motoristas se agredindo, cada qual querendo tomar a bomba das mãos do outro. Os frentistas e gerentes entraram na pancadaria e fugiram dos seus postos de trabalho. O descontrole era geral...
Leninha, ainda pasma, sem deglutir o tamanho da informação, pergunta ao marido:
-- Dodô! Quer dizer que nós não vamos poder mais sacar nosso dinheiro e nem pagar nossas contas ou comprar coisas? É isso?
-- Não sei ainda o que vão fazer, mas acho que estamos ferrados, minha filha! Estamos ferrados! Como é que vamos dar conta das nossas necessidades? Como vamos fazer, sem dinheiro?
-- E o governo? Não vai fazer nada?
-- Nem sei se o governo se manterá nessa rebordosa! De repente, nem vira o dia! Acho que hoje ninguém dorme no mundo!
Foi nesse ponto que o radio berrou em alto e bom som: A multidão descontrolada avançou sobre a Praça dos Três Poderes, invadiu o Congresso e está enchendo de porrada todos os senadores, deputados e funcionários das duas Casas. O palácio também foi invadido e todo o pessoal está entrando na porrada. Os primeiros foram os soldados da Guarda Presidencial com uniformes históricos, mosquetão e tudo... Os policiais percebendo a encrenca em que, também estão envolvidos, ajudam na pancadaria.
Finalmente, juízes com toga e tudo, também estão levando bordoadas e sendo postos para correr. Acabou-se a pompa e a circunstância... Todos os Três Poderes estão se borrando nas calças, levando cachações e cacetadas por todos os lados. Alguns já estão desmaiados pelos gramados da Esplanada...
Foi então que, Dorival, sentiu o mundo tremendo. Apavorado, abriu os olhos vendo Leninha à sua frente, sacolejando-lhe o corpo adormecido. Com a cerveja do almoço acabou caindo no sono, diante da televisão, e mergulhara em um tremendo pesadelo em que vivenciava a quebradeira americana com os reflexos no Brasil e na sua conta, desaguando em um “feriado bancário”.
-- O que foi, Dodô? Você estava tremendo e todo agitado!
-- Puxa, Leninha! Ainda bem que você me acordou! Foi um puta pesadelo. A única coisa que gostaria que fosse realidade era ver toda aquela gente lá da Esplanada entrar na porrada, sem dó nem piedade!
Quem sabe se esse sonho, um dia, se torna realidade, Né?
Amelius
Sobradinho-DF – 25/07/2014