O ARREBATAMENTO
O estádio estava repleto de torcedores. O campeonato seguia na etapa final e os dois mais queridos times da cidade soltavam, pelo ladrão, torcedores exaltados que se apresentavam devidamente uniformizados. As torcidas organizadas ocupavam seus espaços e as camisas coloridas demarcavam os limites de cada uma. No meio dessa multidão, algumas outras cores se ajuntavam manifestando a adesão ou simpatia dos outros times já fora de combate.
A cada jogada um alarido, em uníssono, ecoava pelo imenso diâmetro do campo mesclando urros de exortação com apupos depreciativos, ora para um, ora para outro time.
Nas laterais, centenas de fotógrafos e cinegrafistas se embaralhavam com os gandulas e paramédicos enquanto, nos bancos, especialistas e demais personagens das equipes técnicas berravam suas instruções para os jogadores mais ou menos solicitados...
A partida estava quase no final do segundo tempo e tudo indicava que o jogo partiria para a prorrogação, com possibilidade quase certa de partir para a decisão por pênaltis, o famoso mata-mata.
A torcida, ansiosa, esperava pelo apito final, xingando o juiz de ladrão, por ter dado impedimento a um centro-avante que, cara a cara com o goleiro adversário, tinha o gol da vitória líquido e certo.
Esgotados os últimos minutos do tempo regulamentar, finalmente, sibilou o apito do árbitro; fim de jogo no Estádio Municipal. Os jogadores, extenuados, atiraram-se sobre o gramado, numa tentativa de relaxamento, enquanto aguardavam as orientações para o início dos trinta minutos da prorrogação.
Em meio a essa situação, os técnicos, massagistas e pessoal de apoio se misturavam com os jogadores abastecendo-os de água, gelo, sprays e outros recursos adotados para momentos como aquele. Enquanto isso, nos corredores do estádio, os fanáticos torcedores se misturavam nas filas dos banheiros e diante dos balcões das lanchonetes. Uns já retornavam para as arquibancadas carregando latas de cerveja ou sanduíches embrulhados em papel com motivos futebolísticos.
A previsão meteorológica não havia previsto nenhum acontecimento que pudesse empanar ou dificultar a realização da partida. Ao contrário, o Sol estava forte e não havia sequer resquícios de nuvens a obstacular os raios quentes incidentes sobre toda a cidade. A tarde propiciava exatamente o que os aviadores costumam chamar de “céu de brigadeiro”.
O serviço de auto-falantes do estádio, tendo ao fundo uma canção de Zé Ramalho, “Vida de Gado”, cuidava de difundir o resultado da arrecadação, nas bilheterias, alardeando a presença maciça e o número de freqüentadores registrados nas catracas. Uma verdadeira multidão prestigiando o derradeiro jogo do Campeonato. Absoluto sucesso!
Repentinamente, sem que ninguém entendesse como ou porque, uma névoa tênue, cinzenta, começou a tomar todo o recinto do campo e das arquibancadas. Em pouco tempo, todo o ambiente estava mergulhado no mais profundo breu. Não se podia ver nada além de um palmo adiante do nariz. Impossível a saída; não se podiam enxergar nem os degraus e nem os corredores entre as cadeiras. Atingir as vias de saída era correr o risco de acidentes com conseqüências imprevisíveis.
O único lugar em que o negrume não havia, ainda, tomado conta era exatamente a boca do estádio, ou seja, a parte superior, acima da cobertura da gigantesca massa de concreto. Mas, algo descomunal e profundamente assustador podia ser visto, naquelas alturas, tomando conta e extrapolando todo o espaço interno circundado pela colossal cobertura.
Uma nave prateada, com espécie de escotilhas em sua superfície inferior, em que se podiam visualizar luzes que oscilavam do violeta ao alaranjado, com lampejos brancos e dourados... Ninguém podia acreditar no que estava visualizando. Todavia, o medo diante do inesperado já começava a dar início a um certo estado de multidão.
Foi então, que um ruído sibilante, agudo, passou a ser ouvido por todos os circunstantes que, sem entender o que estava acontecendo, foram perdendo a noção de desespero que se viu substituída por uma outra de letargia ou entorpecimento. As pessoas caiam sentadas em seus lugares enquanto jogadores e pessoal do campo permaneciam deitados, como se nada estivesse acontecendo.
Nesse estado de coisas, o sibilo proveniente da nave foi sendo atenuado e, em substituição, pela abertura de uma escotilha circular, no centro do exterior da nave, surgiu uma espécie de coluna luminosa com cerca de uns cem metros de diâmetro. Essa coluna de luz descia do centro da nave até o centro do campo. Em seguida, foi se abrindo em forma de cone até que abrangeu todo o espaço limítrofe do estádio.
Em seguida, grupos de sons foram emitidos à guisa de notas musicais que foram agindo sobre os assistentes, em letargia, agindo tal qual um gigantesco aspirador. As pessoas eram, literalmente, sugadas dos lugares em que se encontravam, lentamente, para o interior da nave, através do cone luminoso...
Não houve reação, não houve pânico, não houve qualquer tipo de protesto. A multidão de torcedores parecia estar em profundo estado de anestesia. Nem mesmo o pessoal da mídia teve condições de raciocínio ou arbítrio para se opor ao que estava acontecendo e relatar o que se passava para as emissoras de rádio ou TV que representavam.
Por oportuno, lembra-se de que ao aparecimento da nave, todas as comunicações do estádio para o exterior haviam sido bloqueadas. Ninguém na cidade tomou conhecimento do que estava ocorrendo. Nos estúdios, diziam estar havendo uma forte interferência magnética bloqueando as ondas das emissoras instaladas nas cabines do estádio.
Nos estúdios, repórteres, locutores e apresentadores, davam conta de uma espécie de apagão que estava acontecendo no estádio. As reportagens cuidavam de responsabilizar a Companhia de Eletricidade e o Governo pela ausência de investimento na área. Aproveitando o ensejo, desciam a ripa em políticos e administradores ligados à área governamental.
Como por um passe de mágica, dentro de poucos minutos toda a assistência que superlotava o estádio já havia sido transferida para o interior do colosso espacial. Foram literalmente sugados e transportados, para dentro da nave, por ação do descomunal cone luminoso. Ninguém ficou para contar o acontecido e como desapareceram aqueles milhares de pessoas.
Concluída a operação, a nuvem e o negrume desapareceram e tudo voltou a ser como antes. Exceto com os que foram transportados para a nave concretizando o que veio a ser chamado pela imprensa internacional como “A Maior Abdução” já ocorrida no planeta inteiro.
Desde há muitos anos vêm sendo noticiados casos de abduções. No entanto, os governos, “as autoridades responsáveis”, os cientistas e jornalistas, incrédulos, cuidam de minimizar, desacreditar ou atribuir a casos de insanidade mental dos que se aventuraram em relatar algo sobre avistamentos, contatos ou qualquer menção ao assunto.
Alguns dias mais tarde, quando o impacto já se estava atenuando diante do ludicismo midiático, também anestesiante, em reuniões de esotéricos realizadas simultaneamente, em vários pontos do planeta, foi ditada uma mensagem do tipo das que recebem o nome de “canalização”. Dizia o seguinte:
Atenção, homens da Terra! Ouçam nossa voz! A voz que vem do espaço!
“Durante alguns milênios vivemos cuidando de vocês e do seu planeta. Desde os tempos mais remotos possibilitamos todos os recursos para que possam viver e serem nutridos. Tudo isso para que pudéssemos concluir os preparativos para nos mudarmos, efetivamente, para esse planeta e cuidarmos de implantar as nossas futuras gerações, já que nosso orbe se encontra em fase final do seu estágio no ciclo cósmico.
Dentre os recursos que lhes asseguramos para o sustento da vida, estão os do reino animal que vocês souberam aperfeiçoar geneticamente e fazer com que se reproduzissem ao ponto de manterem, com larga escala de segurança, essa sobrevivência.
Frigoríficos e matadouros foram construídos com todos os avanços tecnológicos, que lhes permitimos de modo a que fossem multiplicados os produtos e subprodutos a partir do reino animal.
A partir de agora, mais exatamente, do acontecimento do estádio de futebol, nós cuidaremos do nosso próprio provimento e vocês serão o celeiro de onde extrairemos o nosso repasto. Com a nossa vinda, em massa para este planeta, vocês serão aperfeiçoados e criados como nosso gado. A transmigração do estádio de futebol foi, apenas, a nossa primeira experiência. Outras virão, em seguida, e aproveitaremos a engenhosa indústria que vocês construíram para que desenvolvamos os nossos derivados a partir de vocês. Serão a nossa matéria prima!
Dos que foram retirados, no estádio, prepararemos a alimentação dos nossos que já se encontram entre vocês, alguns na superfície, como mutantes, e outros em instâncias no interior, abaixo da crosta do seu planeta.
Vocês cumpriram as suas etapas no preparo da Terra como nossa futura habitação. Dentro em breve viverão sobre outras condições, semelhantes aquelas em que criaram seus magníficos e gigantescos rebanhos...
Sempre estivemos presentes, observando vocês! Parabéns! Cumpriram, com sucesso, vossa parte! Até breve”!
Três dias mais tarde, um fenômeno incrível aconteceu. Sensitivos, médiuns, paranormais e toda a espécie de gente envolvida com assuntos do mundo religioso, padres, pastores, rabinos, e demais agentes sacerdotais, passaram a receber e difundir “mensagens canalizadas”. O curioso é que todas elas, nos quatro cantos do mundo, tinham o seguinte título: “Preparai-vos é chegado o tempo do Arrebatamento”! “São chegados os dias Retorno do Senhor”!...
Anunnak
Sobradinho-DF – 21/07/2014