Me(n)t amor f(a)ose
Dos tempos de princesa do papai até pouco, não viam em mim o que era, ou o que poderia Ser, de verdade. Nem mesmo eu via. Me escondia atrás de bilhetes espalhados pelo quarto e, mais tarde, em textos cuspidos nas agendas juvenis onde não importava a escrita, importava não explodir pro lado de dentro. Vivia engolindo controversas, tampando a visão, cabendo na caixa, ajeitando o vestido de moça comportada e, pelos cantos dos olhos, reparando o alinhamento do cabelo. Mas a Mente, a que parecia viver no automático, era promiscua, pensava sempre no desconhecido, na liberdade. Mais do que tudo isso, queria Ser. Entre amores e desamores, achou uma brecha e, tecendo o que poderia atribuir a Ser, foi. — Mas por essa estrada, querida, é perigoso. Não ouviu. De qualquer forma seria.
Jogada de um lado para outro; caindo, levantando. Foi. Entre pessoas que davam sapos e esperavam que vomitasse borboletas; entre quem trocava pote de ouro por saco de pedras; por quem me olhava limpinha e teimava na sujeira; por quem esnobava a verdade e adorava a mentira. Foi. Eu, dolorida, tentei jogar o jogo, mudar e retribuir. Mas, quando não quis aceitar a ingenuidade, vi o quanto imaturo era meu coração. Que me adaptar era como comer sequilhos e não beber água – não passa da garganta. E me tornar um deles era me obrigar a Ser menos do que poderia.
Viver deslocada não é a forma mais fácil de viver, porém, a mais libertadora. Caminhar deslocada não torna o caminho mais prazeroso, mas amadurece por sua conta e risco. Amadurecer me parece bom, ainda que peça entendimento do mundo, ainda que entender o mundo me deixe com olhos de ressaca.
Eu nunca coube nas mãos de ninguém. Caberei menos agora que descobri que Ser é mutável. Que Sou o que posso estar e estou o que posso Ser. Ainda que isso custe me perder para depois me encontrar.
Aprendi a viver meus tropeços e recomeços com muito mais cuidado e respeito. Querer que nada mude é querer em vão. O mundo é redondo e dizem que sua maior qualidade é girar.