O BOTECO
O boteco tinha um odor de bacalhau misturado com cebola podre, o balcão de granito estava impregnado com todo tipo de sujeira e oleosidade, as moscas concentravam freneticamente pousos e decolagens sobre o mesmo.
Ele com os braços sujos apoiados sobre o balcão contribuíam com mais sujeira. Pediu mais uma dose de aguardente, a quinta até aquele momento, e seu olhar olhava para o nada.
Sentia o mundo rodar e agarrava-se ao balcão para não cair. Buscou suas ultimas reservas de energia, ainda que apoiado manter-se um pouco mais ereto, balançava o tronco em um movimento repetitivo para traz e para frente, passou a prestar atenção nas moscas sobre o balcão, e com dedo indicador da mão direita tentava tocar nas que pousavam próximo a sua mão, como que tentando acariciá-las.
Tomou de uma só vez a quinta dose, recolocou o copo no balcão, por pouco não o quebrando, sua mão recusava-se obedecer a seu cérebro de forma coerente, pois as ordens do mesmo eram confusas.
Sempre apoiado no balcão, endireitou o corpo o máximo que pode, para chamar o dono do boteco, que neste momento, também bêbado, dormia em uma cadeira atrás do balcão.
Chamou uma, duas vezes, mas o dono estava em outra. Pensou em pegar a bebida, mas desistiu, podia estar confuso, zonzo, mas sentia que não reunia condições para se afastar do apoio do balcão.
-Que dureza hein?
-Dureza? Seu João põe mais uma.
Mas o dono do boteco continuava dormindo.
-É, acho que ele não vai acordar tão cedo.
-Cassete, quem tá falando?
-Eu aqui, ó.
-Eu quem? Perguntou olhando ao redor não vendo ninguém.
-Eu o balcão, sou eu que estou falando com você, não está me reconhecendo, nos conhecemos há tantos anos.
Olhou aturdido para o balcão nojento.
-Ué quem tá falando?
-Já te disse, sou eu, o balcão.
-Porra! Eu nunca vi um balcão falar.
-Mas agora está vendo, isto porque você conseguiu atingir o alfa.
-Alfa, que é isso, alfa?
-Alfa é o início.
-Início do que?
-Da tua loucura, parabéns você conseguiu.
-Consegui o que?
-O inicio da sua loucura, ou você acha normal poder conversar com um balcão?
-Sei lá, acho que sim, tu não tá conversando comigo?
-Desculpe, não te avaliei direito, você já atingiu o Ômega.
-Ômega?
-Sim.
-O que é esse tal de Ômega?
-O fim.
-O fim?
-Da sua miserável vida.