A Porta da Alma

O anúncio da morte ecoou pela floresta negra, serpenteando por entre os velhos carvalhos.

Uma gota rubra desceu por uma folha, tocou a terra e escoou para dentro do solo, manchando-o morbidamente.

O céu refletia as escuras íris da vítima; milhões de pontos brilhantes vagavam, errantes, rio acima. O afluente se revoltava sob a fina película transparente que limitava aquelas orbes esperançosas.

Um aroma de incenso tomou o ar, adensando-o. O agente da morte se desesperou. Alguém se aproximava. Um sacerdote talvez.

A luz do dia se manifestava oscilante nas íris incertas daquele que se erguia diante da vítima. Uma névoa gelada se achegava, como que anunciando a morte. Naquele preciso instante, o assassino encarou os olhos do morto. Mitigados. Sua alma se despedaçara em milhares de pontos coruscantes, quais as estrelas. E depois... Nada. O rio negro se acalmara. A vida se esvaíra como o sangue que descera pelo seu pescoço.

Um grito! Um urro! Sim... Um som abafado ressoava na cabeça do assassino, ricocheteando pelas orbes, antes brancas, agora rubras, infestadas pelo esplendoroso fulgor do ódio misturado ao medo.

Tão longe, porém, tão perto, além da fina película que raciona o mundo espiritual do físico, uma pessoa bradava, desesperada, doente, lívida de medo e incompreensão. Uma aura branca, inerme, arquejava ao redor daquele vulto peculiar. Olhos inteiramente cândidos como um par de gotas de leite, cabeça calva, a pele parecia ter sido polida por anjos. Não obstante, sua expressão parecia ter sido moldada pelo próprio Diabo. Ao redor, o que havia não era menos enlouquecedor: árvores erravam pelo céu infinito, tomado por um verde transparente, qual um sórdido diamante. Na culminância, bem onde um estranho astro encarnado pulsava, um mar rosa se sublevava sobre si, cuspindo e sugando suas águas densas e ferventes. Uma luz espectral inundou o bizarro bosque de galhos que mais pareciam tentáculos chicoteando ao ritmo do vento numa dança mortal.

Morte... A simples menção dessa sublime palavra aterrorizava o ser que se ajoelhava na alaranjada terra nua e gélida.

Súbito, a criatura calva se despedaçou em milhões de pontos cintilantes. Eram como estrelas vibrantes, vagando a esmo pelo ar rarefeito. A penumbra desenvolvia-se pelo bosque, clamando por seu lugar numa batalha feroz entre luz e trevas.

No fim, a sombra da morte saiu gloriosa, promulgando-se com uma fincada daquele objeto movido pela mesma mão; controlada pelo anseio que antes desvirtuara uma alma aos pedaços.

O arrependimento, a incompreensão e o destino deram à primeira vítima a vingança, como um presente de consolo.

A morte reina e sempre reinará!