O deserto

Ele estava sentando no alto da montanha e observava a imensidão do deserto. O vento amarelo de areia soprava seu longo cabelo e Ele não se importava, se perdia em meio a beleza seca que seus olhos viam.

Ninguém entendeu porque Ele se isolou em meio ao nada. Porque tanto tempo lá envolto a solidão? Porque tanto tempo sofrendo com a esterilidade daquela terra seca? Porque se privar de todo o conforto? Ninguém sabia responder mas Ele sabia todos os porquês.

Na solidão ele pode aprender o silêncio dos mudos. Não conversava, não falava, não emitia som... E ele aprendeu a valorizar sua voz, aprendeu a valorizas as palavras, aprendeu a ser como eles... Aprendeu mudo.

E com o silêncio dos mudos, aprendeu também com o silêncio dos surdos, privou-se dos sons do deserto e nada ouvia mais... Só o silêncio agonizante de quem não conheceria nunca as mais doces melodias,os mais belos sons... E ali aprendeu com o silêncio ensurdecedor.

Fechou os olhos e mergulhou na escuridão da cegueira. Perderam-se as cores e os brilhos das estrelas. Ele aprendeu a ver com o tato, com o som, com os cheiros... Aprendeu a ver de outras formas apenas para conhecer mais a alma humana. Aprendeu a ver as belezas que os olhos não veem.

Ele se arrastou pela terra seca por longos quilômetros pra saber como era a lentidão dos aleijados. Sentiu a sua velocidade acabar e aprendeu a ser paciente e calmo. E aprendeu a esperar...

Depois entrou dentro de si mesmo para se perder na loucura da mente humana e viu como os loucos enxergam o mundo e os amou. Viu como aqueles que pensam diferente eram e com como eles pensou e cada vez mais afundava na pisque humana como se afundasse em água e se perdia em tantos conflitos e mistérios e nadava entre eles e aprendia...E mergulhava cada vez mais fundo entre tantos pensamentos e entre aquilo que eles chamavam de loucuras, distúrbios, medos, angústias, ansiedades, depressões... e aprendia...

Em seguida mergulhou no próprio coração e se debateu com cada sentimento humano, e viu o bem e mal dentro do homem e com isso aprendeu a ser tolerante com o diferente, com aquilo que ele não conhecia e aprendeu a se livrar do mal, aprendeu a se despir completamente do preconceito e completamente nu de falsas aparências e sem véus, máscaras completamente Ele, completamente humano aprendeu a amar o diferente, viu que podia entender o diferente. Sentiu, viu, vivenciou o diferente... E percebeu o quão simples o diferente é igual. Viu com os olhos do coração e aprendeu a ser o outro.

Quarenta dias no deserto Jesus esteve não pra ser apenas tentado pelo demônio mas pra se colocar no lugar do outro. Como amar o próximo se não se colocar no lugar dele? E pacientemente ele passou por todos os seus próximos,vivenciou todas suas dores e privações... E aprendeu... Aprendeu... E aprendeu com toda humildade do mundo, simplesmente aprendeu para nos ensinar.

Todo um deserto de solidão e privações por amor, todo um deserto não de terra seca, mas o deserto do coração dentro dos homens. Quarenta dias que Ele esteve aprendendo como entrar nesse deserto, que talvez era mais difícil de sobreviver, do que o deserto real.

Mas ele entrou, ficou, vivenciou, aprendeu, entendeu, deixou toda sua divindade para penetrar totalmente no deserto da alma humana, simplesmente para que os humanos também pudessem entender algo tão simples que Ele tentou ensinar o tempo todo... O amor.

E ali no alto da montanha continuava a ver a beleza do deserto que os homens não viam... Mas ele aprendeu a ver beleza porque ali era a alma humana. E o vento de areia amarela continua a soprar seu longo cabelo...