Sonho - |
Nas ruínas de um estádio eu vago e sinto frio. Um frio que me percorre a espinha e desponta na garganta uma vontade de ganir e chorar. O ambiente úmido me arde o nariz e faz doer a cabeça. Posso escutar, ao longe, um ruído gotejante de gruta que se dissipa em ondas no ar. O ambiente inebriado por uma fina fumaça dourada, que recobre e recai sobre cada destroço. Esfrego os olhos e numa tentativa de fuga do inesperado envolvo-me em meus próprios braços, estou quente, sinto a nuca arrepiar com a chegada de uma brisa morna, tão breve quanto um frêmito. Ao longe há uma porta, uma porta escura e alta, dessas que não levam a lugar algum. Portas desinteressantes, cenográficas. Sei disso por dedução. Olho para cima e tudo o que vejo é uma imensidão esmagadora, molhada e quase – quase – palpável, de cor cinza acobreada. É proibido olhar, de repente tenho essa certeza cuja a força é como a de uma ordem desconhecida, imposta por um deus, baixo a cabeça e percebo a companhia. Recoberto por parte da porta, o focinho comprido e um olhar tenro. Um cavalo negro. Encaramos-nos fixamente por alguns segundos quando, envergonhado, dou três passos pra trás, sinto a omoplata encontrar-se a uma superfície porosa e gélida. Paro. O ar em mim é todo quente, estou febril, sinto o calor que emana da tez empoeirada, do corpo desconhecido, que carrego como se carrega um grande fardo, um karma. Toco-o como tocaria, outrora, a outro, ao corpo de um terceiro. Mas por fora é tudo frio. Ele se revela, a musculatura elegante, o pelo de ébano, brilhando, molhado como o próprio céu daquele universo caótico. Reluzente. É proibido olhar. Fecho os olhos. Sinto no chão e nas têmporas o trotar crescente, que vai se transformando num galope desenfreado. É proibido olhar, essa é a ordem suprema, sinto o calor do sangue no meu interior e sinto a ingratidão gélida da parede em minhas costas nuas, é proibido olhar mas eu me permito sentir, pois ali estou, diante da magnificência de um reluzente e imenso cavalo negro que se aproxima num galope furtivo, do ser que vem em minha direção como outrora me veio a certeza imposta como uma ordem, como viria, talvez, o próprio Deus.